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  • O dicionário filosófico de Órris Soares

    02/08/2014

     Há quase cem anos mergulhado na penumbra de um inaceitável esquecimento o paraibano Órris Soares, incentivado pelo Instituto Nacional do Livro do Rio de Janeiro, elaborou um completo e incrível dicionário de filosofia, provavelmente o único do gênero, escrito em língua portuguesa e de todo o mundo ocidental.

    No seu tempo, mais notabilizado por ter prefaciado a segunda edição do “Eu” de Augusto dos Anjos e, com seu irmão Oscar, fundado o jornal “O Norte”, esse erudito e notável escritor, nascido na capital da Paraíba, depois de servir ao governo do tio, Camilo de Holanda, como Secretário Geral, em 1926, emigrou definitivamente ao Rio, então capital da República, onde, celibatário, adotou uma vida de anacoreta convicto, dedicado exclusivamente à copiosa atividade intelectual.

    Numa época de crepitante especulação filosófica ninguém melhor exerceu, neste vasto país de pensadores diletantes, mais, profunda e obstinadamente, a mineração nos segredos da ciência ontológica, desde a borbulhante fonte socrática até o hodierno existencialismo de Sartre e Camus e, somente com tal bagagem, sopesada no auge da maturidade, se lançara, decididamente, a organizar a oceânica empreitada.

    Com dez volumes compactos, enfeixando metodicamente e por ordem alfabética o significado de cada verbete relacionado, todos com original contribuição e sua marca personalíssima, a tarefa resultou numa indiscutível obra prima sobre a matéria, um espantoso glossário, segundo cultores da filosofia, de transcendente saber, até mais detalhado e opulento do que o próprio Lelande, publicado posteriormente na Europa.

    Entretanto, editados os três primeiros tomos com aplausos de luminares pátrios do pensamento e dos meios culturais brasileiros a tiragem do grande e inigualável projeto terminou, inexplicável e surpreendentemente trancada até hoje, privando o culturalismo mundial da extraordinária enteléquia brasileira, num dos mais complexos campos do conhecimento.

    Da mágoa dessa interrupção morreu, acabrunhado e totalmente deprimido, no Rio de Janeiro, onde fora sepultado sem quase nenhum acompanhamento, o estupendo humanista, autor de inúmeras outras obras, inclusive romances e peças teatrais, sobretudo porque tendo confiado no compromisso da impressão oficial pelo Instituto Nacional do Livro recusara a oferta de uma editora privada que lhe quis comprar os direitos autorais, como tudo fidedignamente narra o burlesco episódio o escritor e crítico

    literário Augusto Frederico Schimidt, testemunha irresignada de todo o acontecido, no seu livro de memórias.


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