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  • Em busca de Marcel Proust no tempo reencontrado

    18/07/2014

     Excessivamente mundano nos salões parisienses da chamada belle é poque e, portanto, nunca seriamente compreendido pelos contemporâneos, a certa altura da vida Marcel Proust se recolhera a uma monástica solidão até morrer, apenas dedicado à enorme tarefa que lhe converteu numa das glórias da literatura mundial.

    Na época de luxúria e diversão todo o fermento intelectual do postumamente celebrado autor de “Em busca do tempo perdido” se limitara a crônicas frívolas, em Le Fígaro, sobre o ambiente festivo e sofisticado da “Cidade Luz” em que, alegre e prazerosamente, transitava e onde desfilavam vaidosos socialites, músicos, políticos e potentados da elite francesa, com suas intrigas e habituais mexericos – desejosos cabotinos do elogio gracioso.

    Era então um confesso e pedante deslumbrado a comprometer seu talento com referências amáveis e lisonjeiras a figurões de uma aristocracia hipócrita e decadente, mais tarde ironizados, na ciranda da memória, como caricaturas da monumental obra que suplantaria o molde da romanceira francesa de fins do século XIX, produzida por conterrâneos do cerne de Victor Hugo, Stendhal, Flaubert e Émile Zola.

    Não seria propriamente um único romance a inovadora criação, mas uma cordilheira ou cadeia de enredos, com sete volumes, intimamente ligados pelo fluxo e refluxo evocativo de um narrador falando na terceira pessoa e, no entanto, interessado em recuperar o tempo desgastado com tantas e tão improfícuas banalidades. O tempo da juventude vã do Proust sempre de flor à lapela, ostensivamente esnobe, com obsessivas preocupações de elegância e exageradamente presunçoso, almejando a todo custo ser recebido e bajulado pela grã-finagem convivente.

    Nas páginas transcendentes, ao revés do estilo fútil do passado, uma completa reviravolta espelhando a necessidade premente de encontrar o escritor o sentido profundo da vida e de seus sublimes valores, o lado verdadeiramente humano da aventura existencial, tão desprezado na fase estéril de sua atribulada existência, o que, afinal, lhe consagraria entre os maiores nomes da arte literária de todos os tempos.

    Misantropo e solitário, com pouco mais de cinqüenta anos, morando num apartamento longe do medíocre burburinho social de outrora sofria de súbitas crises de asma, enquanto se ocupava inteiramente esquecido do mundo exterior, numa veleidade da consciente capacidade criadora, a escrever anos a fio, a fulgurante obra prima que a si próprio parecia interminável.

    Doente e assim recluso no final da vida, um dia ao colocar a palavra fim na última lauda de seus manuscritos suspirou aliviado exclamando: “Felizmente! Agora já posso morrer...”


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