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  • A lealdade e o incrível caráter de Carlos Gomes

    29/05/2014

     Interiorano de origem humilde, marcado desde a infância, por uma vida cheia de desgostos afetivos e aperturas materiais, a despeito do fulgurante talento musical não teria Carlos Gomes chegado a tamanho estrelato sem a proteção benfazeja de um ilustre brasileiro – o imperador D. Pedro II.

    Notório mecenas, apaixonado pela cultura e pelas artes, interessava-se o soberano pela descoberta de novos e promissores valores, nos diversos campos da criação artística, entre brasileiros cujos reconhecidos pendores, com seu influente respaldo, elevassem, mais e mais, o nome e a imagem do Brasil, fora do país.

    Impressionados com o então desconhecido compositor, amigos e admiradores, com trânsito na Corte, principalmente a Condessa de Barral, se devotaram a lhe aproximar do monarca e dos favores da realeza, com os quais, de anônimo idealizador de marchinhas se tornaria o aclamado maestro de glamorosos concertos, freneticamente aplaudidos na Europa, nos Estados Unidos e ao derredor de todo o mundo, como nenhum outro de seu tempo.

    A cada ópera exibida, com originais composições, em teatros ou a céu aberto, despontava a peregrina quintessência da vocação, ante os gritos de bravo e de bis, entre ruidosos aplausos. Assim fora, espontânea e apoteoticamente, saudada “A última hora do calvário”, “A noite do castelo” e o triunfalmente consagrado “O guarani”, tendo a seu respeito exclamado o experiente Verdi: “este moço começa por onde eu termino”.

    Apesar do sucesso e da fama nunca se libertara o artista das dificuldades financeiras decorrentes de seu ingênuo desinteresse pela riqueza e até pelos lucros da grandiosa produção, se limitando a viver modestamente com parca pensão do governo imperial, concedida por interferência de Pedro II, junto ao Poder Legislativo e com a qual se mantivera até o final da vida.

    Proclamada a República no Brasil e banido ao exílio o imperador e toda a família, Carlos Gomes não só recebeu, no estrangeiro, a triste notícia, como, inesperadamente, um convite para compor o hino oficial do novo regime, tendo a Comissão de emissários oferecido à sua disposição alta quantia a guisa de pagamento adiantado, exatamente quando, cheio de dívidas, necessitava, imensamente, do numerário.

    Contudo, não vacilou, renunciando à histórica e providencial distinção, com sublime espírito:

    - Não, não posso! Seria aceitar o eterno castigo de me ver sempre manchado pela ingratidão!! – declarou com dignidade ímpar e decidida

    expressão de um raro caráter, pensando no saudoso benfeitor degredado, a quem tantos e tão grandes favores devia!


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