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  • A arte genial de aleijadinho

    30/01/2014

     Povoada de lendas e estórias inverossímeis a obra do escultor, entalhador e arquiteto Antônio Francisco Lisboa, conhecido por Aleijadinho, devido a uma moléstia deformante, se incorporou ao orgulho pátrio, desde sua época, como uma das maiores expressões do gênio artístico de todos os tempos.

    Na há prova ou explicação mais plausível de predestinação e do inato pendor vocacional trazido, desde as entranhas maternas, pelos gênios e superdotados, do que a escultura imortal cinzelada em imagens, altares e igrejas pelo mineiro feio, pobre doente e provinciano de Vila Rica (hoje Ouro Preto), que nunca saiu do berço natal, nem angariou formação acadêmica, não leu mais que a Bíblia e uns poucos livros e, na prenda em que se notabilizou, somente recebeu rudimentares lições do pai e de eventuais mestres autodidatas.

    Depreende-se de toda a incrível produção do célebre escultor uma relação invulgar entre o criador e suas criações, o contrário, certamente, de um artista viajado e de conhecimentos universais, adquiridas em adiantadas fontes civilizatórias, onde, na verdade, devido à origem humilde e ao ambiente colonial do século XVIII, nunca colocou o pé, nem lograra incentivar o reconhecido e prodigioso talento.

    Já doente, a partir de 1796, superando milagrosamente a degeneração orgânica, esculpira obras primas indeléveis, como os Passos e os Profeta de Congonhas do Campo, construindo então um admirável santuário num recanto naturalmente circundado por montanhoso e deslumbrante vale, escolhido, hoje, entre os melhores roteiros turísticos internacionais.

    Depois de acometido pelo mal que lhe deu o nome, então perto dos cinqüenta anos, não queria ser viso por ninguém, martirizado, até a morte, pelas limitações orgânicas. Irritava-se facilmente, trancava-se em desconfianças e recalques, revelando uma conduta incoerente com o antigo temperamento alegre e efusivo.

    De má vontade e péssimo humor, fora, certo dia, atender ao chamado do governador, interessado na confecção de uma imagem de São Jorge para desfilar numa iminente procissão de Corpus Christi. Recebido com escárnio pelo conhecido ajudante-de-ordens, Coronel José Romão, que lhe ressaltara a feiúra e a deformação física, quase ia embora magoado quando apareceu o governante, contornando o vexame:

    - Peço-lhe uma imagem grande do venerado Santo para, no evento religioso, desfilar a cavalo, assim esbelto e robusto como este meu auxiliar.

    Focado pelos olhos precisos do artista, São Jorge foi assim esculpido, surpreendentemente, com o rosto do servidor indelicado, e saindo às ruas de Vila Rica, sob o riso e sarcasmo da multidão, a uma só voz, ninguém duvidou:

    “O São Jorge que ali vai, com ares de santarrão, não é São Jorge nem é nada, é o Coronel Zé Romão!”


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