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  • Retratos de minha vida

    23/12/2013

     O sol já se inclinava ao poente e o quadro desenhado à nossa frente, vislumbrado de estratégico restaurante, à beira-mar do Cabo Branco, continuava a oferecer o espetáculo do oceano gemebundo, àquela hora, sob a evolução da maré alta, açoitada pelos ventos que, no mesmo empuxo, sacudiam as palhas do coqueiral eriçado.

    Olhos fitos no horizonte, ora sob as águas azuis do Atlântico, ora dirigidos ao belo e referencial promontório de nossa geografia litorânea, o elegante e culto Yanko Cyrillo, sem perder o fio da meada, se deixava embalar pela “sinfonia das ondas”, em pleno delírio da sensibilidade incomum e do exercício dialético de sua formidável virtuose mental.

    A conversa, conduzida com mestria, pelo notável causer, talvez o mais completo de nosso estrelário intelectual, nimbada por inconfundível dicção e magnetismo pessoal, capturava a atenção do pugilo de amigos ao derredor, fascinados pelo brilho e fluência dos saberes jorrados, mesmo de um papo coloquial, em momento descontraído de lazer.

    Era a peregrina expressão do escritor-pensador, poeta, jurista e consagrado orador, se agigantando, como sempre em qualquer roda informal ou auditório solene, a cada referência do próprio cabedal ou de outros príncipes da dinastia literária e, até mesmo, pela não rara imitação vocal, cheia de graça e humor, encenada com a recordação de ilustres e antigos personagens do meio forense local.

    Presentes ao farnel espíritos como Romain Roland, André Gide, Somerset Maughan, Bilac, Guerra Junqueiro, Augusto e Castro Alves, eis que, dado momento, entra ao convívio entusiasta, o irônico e irreverente Voltaire, filosofo, poeta e dramaturgo, da particular e cultivada predileção yankiana, tão satírico e galante quanto nos salões imperiais franceses dos tempos de Luís XV, a destilar suas verrinas, recitado pelo grande e estiloso apreciador.

    Foi quando, sem tergiversar da filosofia zombeteira do imortal autor de “Cândido, ou O Otimismo”, porém ainda tocado pelo visual do mar, indaguei: Mestre, tendo você andado por quase todo o mundo, qual bela praia supera, em maravilhas naturais, a nossa Tambaú?

    - Nenhuma, sem qualquer ranço de bairrismo ou desmedida exaltação telúrica. Nenhuma outra tem, assim, um recorte simétrico, num incomparável conjunto de enseadas de águas mornas, límpidas e azuladas, sob uma plataforma, pavimentada pela natureza, sem pedras nem depressões, com gradual inclinação e perfeita balneabilidade.

    - Uma verdadeira e inigualável piscina natural, presente dos céus, essa orla, pouco avaliada por seus beneficiários, cujas lindezas, indiscutivelmente, não as encontramos no Caribe, na Côte d’Azur, na Costa

    Malfitana, nas Filipinas, nas Ilhas Gregas ou noutros pretendidos paraísos turísticos, concluiu, convictamente.

    Um encontro lúdico e memorável, guardado para sempre, como os melhores retratos de minha vida!


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