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  • O quadro que Pedro não pintou

    04/12/2013

     Considerado nos meios artísticos e culturais, e mesmo pelo povo brasileiro, como o grande e genial pintor de inigualáveis telas sobre a nossa independência e soberania política, pesa em desfavor de Pedro Américo a pecha de apatia pelo torrão natal, algo, realmente, perceptível na biografia e obra do prodigioso paraibano.

    De fato, embora marcado pelos sofrimentos da infância pobre, por onde passou, inclusive nas peregrinações pelo Velho Mundo, deixou o indimensível artista o sinal indelével de seu talento, retratando alusivos personagens e feitos históricos, porém não o fez, curiosamente, apenas em relação à terra de origem.

    Observadamente, não se tem notícia, por toda a aclamada carreira, de nenhum quadro ou gravura, sob sua assinatura, que recorde ou enalteça a Paraíba, os seus belos e inefáveis campos, os hábitos e costumes de sua gente ou, quando nada, a heróica e pioneira resistência em prol da nacionalidade, liderada por Vidal de Negreiros.

    Diferentemente de ícones da latitude de José Américo, José Lins do Rêgo e Ariano Suassuna, envolvidos pela inspiração ficcional do ambiente primitivo da existência, desapareceu completamente no glorioso areiense a sensibilidade de tamanha motivação após largar, definitivamente, o berço nativo e emigrar para a capital do país. Nunca, portanto, a paisagem colorida e vibrante dos trópicos e o fulgor incomparável do sol nordestino, que tanto impressionaram um Monet ou um Debret, reluziram na arte imortal do pincel enfeitiçado.

    Que tão amargo e insólito recalque teria produzido na alma do grandioso retratista, fascinado pelas belezas virentes da natureza e proezas da história, esse absoluto alheamento dos sentimentos telúricos, reconhecidamente, contrário ao senso comum?

    Que dizer de uma imagem de nossas paragens, focada sob tão eloqüente capacidade ilustrativa, como a vislumbrada em “A batalha de Avaí” ou na figura de Joana D’Arc, em que o autor eleva ao máximo o poder de expressão da fisionomia humana, com uma cintilação invulgar nos olhos da heroína francesa, salvadora de sua pátria?

    Invejado no Brasil, por toda a elite artística de seu tempo, seus triunfos eram os de um protegido do imperador D. Pedro II, sem cujo respaldo não teria alcançado qualquer projeção, nem tampouco se firmado na Europa, onde, na verdade, estudara longos anos, mantido pelos cofres

    imperiais, respirando a atmosfera da esplendida e ilustrada civilização, num perfeito caso de transoceanismo de que fala Capistrano de Abreu.

    Cidadão do mundo, gloriado em vários países, cortejado por monarcas e presidentes, a indiferença do nosso celebrado conterrâneo aos pagos natais somente terminaria no leito de morte, quando, surpreendentemente, preferiu a sepultura na montanhosa e pitoresca Areia, manifestando, assim, um intrigante remorso pelo quadro que não pintou!


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