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  • Os 100 anos do Eu e Outras Poesias

    07/11/2013

     Não há quem negue a centelha de genialidade que singulariza a poesia de Augusto dos Anjos e a célere escalada, nas últimas décadas, como nenhuma outra obra do gênero, do “Eu e outras poesias”, às máximas alturas da consagração literária, pelo menos, em todos os lugares de língua portuguesa.

    Nesse ponto estão de acordo dezenas de notáveis críticos de todo o país, debruçados sobre o único, originalíssimo e intrigante livro do amargurado paraibano, banido para Minas, onde na remota e fria Leopoldina, morreu antes dos 30 anos, em completo esquecimento.

    Contudo ainda causa perplexidade a aparição de uma versalhada, tão inusitada e impactante, numa das menores e mais atrasadas províncias do Brasil de cem anos atrás, tanto pelo estilo excêntrico quanto pela profundidade da temática filosófica e cientificista. E do punho não de um intelectual prestigiado nas rodas políticas ou de um áulico palaciano, mas de um bacharel recém formado que, até a morte, só obteve o mal remunerado emprego de professor primário.

    Indiferente ao amor e às belezas da vida Augusto preferiu se colocar no meio do mundo como uma Pedra de Escândalo, a cantar a poesia de tudo que é morto. Tomou por inspiração o horrível, a tristeza e a melancolia, nas suas manifestações mais agressivas ao ser humano. Enveredou por ásperos e repulsivos caminhos ensombrados pelo susto e pelo pânico, de modo a oscilar todo o seu estro entre o desespero pela fatalidade da morte e os mistérios da cosmogonia e da composição físico-química da matéria orgânica, sobretudo com a insólita descrição de convulsos fenômenos da natureza.

    Em vários sonetos não raro se sucedem estrofes aparentemente desconexas e fragmentadas, as quais revelam, no entanto, uma unidade semântica de irrecusável e chocante sentido, o mais das vezes contrário à aversão das criaturas pelo que existe de asqueroso e horripilante, como podridões de todo o gênero, dejeções, embriões abortados, o revolver de sepulturas e de restos morais e a índole malévola do ser humano, algo, portanto, jamais visto ou encontrado na arte literária em todos os tempos.

    A par de tão estranha abordagem a ciência sob cuja égide lançou o desventurado poeta suas atrevidas hipóteses lhe retirou, afinal, a reputação de visionário, ao realizar, principalmente a partir de Einstein, descobertas e invenções, no campo da astro-física, extraordinariamente previstas e antecipadas, há um século, pelos insólitos e formidáveis versos. 

    A vertiginosa aceitação da lira augustiniana, exatamente por isso, desbordou dos meios letrados e acadêmicos para, inesperadamente, arrebatar as camadas populares, recitada pelo homem comum, inclusive das zonas suburbanas, nas feiras livres, bares e restaurantes, teatros e telenovelas triviais, em paródias sobre as trágicas realidades versejadas, simplesmente, porque caiu em cheio no gosto e na curiosidade do povo, como tudo o que tem a marca da eternidade. 


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