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  • Carolina, na vida e obra de Machado

    02/10/2015

                Muito lida, inteligente e desembaraçada, recém chegada ao Rio de Janeiro, em 1866 conquistou Carolina Novais a simpatia de todos, mas principalmente o apaixonado amor de Machado de Assis, de quem se tornara esposa amantíssima e a grande companheira de todos as jornadas da vida.

                Era notória desde o início do lendário romance a “cumplicidade” entre ambos, de modo a marcar visceralmente, todos os instantes da gloriosa e atribulada existência do extraordinário escritor, com a certeza desde então, de que um não viveria jamais sem o outro.

                Juntos suplantariam, entre outros diferenças, a resistência hostil, sobremaneira na época, dos que repudiavam o matrimônio de uma senhora de tez branca, de fina educação, com um “mulato” feio e gago, rebento da classe proletária, sem nenhuma referência familiar.

                A união dos apaixonados nubentes, assim admiravelmente comprometidos até a morte, foi, entretanto, a sorte grande, o esteio maior da célebre carreira do esposo fiel e absolutamente devotado, sem o qual não teria Joaquim Maria superado tantos percalços de ordem pessoal, nem produzido a fantástica obra, traduzida hoje para o mundo inteiro a exemplo de romances como “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Helena”, “ Dom Casmurro”, “Quincas Borba”, “Esaú e Jacó”, “Ressureição”, entre outras portentosas criações, verdadeiros tesouros do patrimônio literário da humanidade.

                Carinhosa, colaboradora e dedicada, com distinguida instrução e disfarçado talento, conseguiu Carolina preencher algumas lacunas do enredo machadiano, com a perspicácia da psicologia feminina, sugerindo-lhe incidentes e desfechos interessantes sobre os quais, na revisão conjunta, discutiam em busca da perfeição artística, fosse no romance, no drama, no conto ou na poesia.

                Aos conselhos e estímulos da consorte querida, sempre a mostrar o crescimento do seu nome prestigiado pelos meios culturais do pais e a grandeza de seus livros insuperáveis, afastaria “Machadinho” o velho e incorrigível complexo de inferioridade que lhe atormentara a vida inteira, desde menino pobre do morro, doente e sem nenhuma perspectiva de bem sucedido futuro.

                Grisalho e movido, na maturidade, pela esperança de melhorar a saúde hospedou-se por uma longa temporada, em Nova Friburgo, sob o bálsamo do clima serrano, mas na volta ao Rio, inesperadamente, morre sua Carolina, a 20 de outubro de 1904, depois de trinta e cinco anos da mais pura e invejável felicidade de um casal.

                A separação abrupta inspira o belo soneto “Carolina”, deixando-o, aos setenta anos, triste e solitário para sempre o majestoso escritor, a conversar com os pertences e objetos domésticos da mulher ausente. Sobretudo com o seu travesseiro, conservado no leito comum, sobre o qual todos os dias vertia o pranto da solidão e da saudade, tristemente confessada nas páginas imortais de “Memorial de Aires”, sua última expressão de um amor incomparável entre um homem e uma mulher.


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