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  • Lembranças da juventude

    07/07/2016

    Domingo dia 26 de junho, assisti na Rede Globo de Televisão, no programa “Fantástico” reportagem sobre a problemática da erosão e desmoronamento das falésias da barreira do Cabo Branco, atingindo sobremaneira o ponto mais oriental das Américas, localizado na Praia do Seixas. Falavam no descaso das autoridades que não se empenhavam em resolver de vez este problema que já se arrasta por muito tempo. No momento da reportagem, lembrei-me de um fato curioso acontecido ainda quando era estudante primário e que até hoje não saiu da memória.

    Nos meados dos anos 40 e 50, devido à seca era comum os nordestinos migrarem para grandes capitais do país, em busca de uma melhor condição de vida, visando dar um pouco de conforto as suas famílias, educando seus filhos e pensando no dia de amanhã.  Foi o que fizeram meus pais. Com sete filhos todos menores, tomaram uma grande decisão. No inicio do ano 1950, vieram com os filhos morar aqui na cidade de João Pessoa, especificamente no bairro de Cruz das Armas, oriundos da cidade de Cajazeiras, alto sertão paraibano. Meu pai era um  expert no ramo de costura, foi logo montando seu estabelecimento “Gomes Alfaiate”, e com a ajuda da minha abnegada mãe criou e educou todos seus filhos. O destino nos reservou uma grande surpresa.  Fomos morar bem pertinho do  Grupo Escolar Castro Pinto, comparado na época como uma filial do Liceu Paraibano, pela eficiência, disciplina e rigor no ensino.  Ali fui alfabetizado e terminei o curso primário. Recordo da minha professora Dona Palmira, de saudosas lembranças. Ela gostava de fazer umas chamadas orais de surpresa, abordando às matérias estudadas durante o período.  Foi num dia desses, que tanto eu como outros colegas de classe fomos interpelados. A matéria era Geografia. Fomos questionados em vários itens como nomes de capitais dos estados e de países, população, nome de ilhas, arquipélagos e outros. A mestra me dirigiu a seguinte pergunta: “Qual o estado do país em que fica situado o ponto extremo das Américas? Não soube responder. Não deveria ficar chateado, pois ainda não conhecia o mar. Nordestino conhece muito bem açude que na seca não fornece água nem para beber. Fiquei sim, curioso, procurei a Biblioteca do Estado e fiz uma pesquisa. Terminei fazendo uma dissertação sobre o assunto e dei de presente à querida mestra, que leu para os colegas em classe. Se gostaram não sei, porém me senti aliviado. É comum as pessoas, como eu, que nascem no interior nunca ter visto o mar. As dificuldades financeiras obrigaram esta apresentação ter sido postergada. Finalmente chegou o dia. Fomos todos a praia. Fiquei muito contente quando conheci o oceano e tomei meu primeiro banho nas águas frias da Praia de Tambaú. Admirei ao longe o ponto mais extremo das américas. Aquela paisagem jamais esquecerei. Visualizar de perto só muito depois. Naquela época não existia meios de transporte que nos levasse até aquele ponto.  Frequentar praia só para aqueles tinham boas condições financeiras e possuam   carro ou até casa de veraneio. A praia ficava distante de onde morávamos. Tínhamos que pegar dois bondes, alugar calções para os homens e maiôs para mulheres. Estes produtos eram difíceis de ser adquiridos e custavam caro. Lembro que por trás do antigo Bar do Elite (hoje Banco do Brasil) tinha uma quitanda onde as pessoas deixavam seus pertences num armário, alugavam trajes próprios e boias e ainda tinham direito a um banho de caneco naqueles tanques.

    FINAL

    A minha juventude foi toda bem vivida no Bairro de Cruz das Armas. Ali participei de tudo de bom que o bairro oferecia. O Clube Internacional era um atrativo, onde as  famílias frequentavam em suas horas de lazer. As festas juninas eram comemoradas com apresentação de quadrilhas e pastoris na quadra de esportes do CONCA (Circulo Operário Núcleo de Cruz das Armas) que ficava ao lado da Igreja São José. Todo o ano no mês de novembro tinha a Festa das Hortênsias, com seus parques de diversões, pavilhão onde apresentavam grandes cantores nacionais e internacionais e culminava com a disputa entre as garotas do cordão encarnado e azul, culminando com eleição da rainha da festa, que muitas vezes já saíam praticamente comprometidas com o patrocinador que as elegiam. Aos domingos assistíamos nas matinés no Cine Glória a inesquecível série do Super-Homem. Havia a troca de revistas em quadrinhos entre os adolescentes, os famosos ”Gibis”. Muitas vezes eu e meus amigos ficávamos desejosos de assistir os jogos oficiais no Campo das Graças, e como não tínhamos condições financeiras para comprar os ingressos tentávamos pular o muro por trás do campo entre os eucaliptos e para nossa frustração encontrávamos de frente o guarda Carestia que fiscalizava as arquibancadas, sempre bem arrogante e de muito mau humor. Às vezes, num gesto complacente, quando faltavam 15 minutos para encerrar a partida, dava o sinal e permitia a subida e a entrada para a arquibancada. Tudo isso e mais não comportaria discorrer em um só artigo. Preencheria talvez em um livro de muitas páginas. Minha infância foi plena de alegrias, conquistas e grandes emoções.


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