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  • O boi milagreiro

    25/11/2015

     Meu pai, filho de meu avô Batista e, minha mãe filha de uma sertaneja local, haviam morrido quando eu tinha 3 anos de idade. Fui morar na fazenda com meu avô. Ele possuía umas vacas que nos fornecia leite regularmente e por conseguinte queijo de primeira. Acontece que os filhotes estavam nascendo cada vez com menos características das mães ou seja, as bezerras, após chegarem na fase adulta, não estavam alcançando a produtividade mínima necessária para que compensasse o custo benefício. O veterinário da fazenda aconselhou meu avô a importar um touro de alta linhagem para dar uma alavancada na genética da prole. Certo dia chega ao curral o tão sonhado touro que, finalmente, cobriria as vacas originando assim, uma nova geração de vacas e touros de alta padronagem. Porém, o animal encomendado com tantas recomendações e, apesar de carregado de sintetizadas testosteronas, definitivamente não sentia o menor tesão pelas vaquinhas mirradas que vovô usaria como base para seu novo plantel de bezerros. Vovô “cabra sereno e tranquilo” imediatamente ordenou que o touro iria virar churrasco no meu aniversário. Eu então com 12 anos, menino que havia nascido muito branco comparado com a garotada nativa daquele sertão mas, como tínhamos em comum a paixão pela natureza e consequentemente, por todos os seres vivos, discordei imediatamente do presente que me foi concedido e, não concordando com o destino do exigente touro, resolvi lá pelas madruga abrir a porteira de sua baia e conceder-lhe a liberdade, dar-lhe uma segunda chance, afinal de contas o touro era vistoso, bonito mesmo. Às cinco da manhã ouço dizer que um boi brabo havia invadido a feira e botou todo mundo pra correr. Botei os arreios num dos pordos da fazenda e, no osso, galopei até a feira. Cheguei a tempo de ver o touro, que teve a sua masculinidade posta em dúvida pelo meu avô, mirando numa banquinha de bananas e se atirando com toda a fúria contra ela. Foi banana pra todo lado. A partir daí a coisa ficou bem mais dramática, olhei pra minha esquerda e vi uma senhora amparada por uma jovenzinha. A senhora usava muletas sendo que, do lado esquerdo era uma daquelas que pegava embaixo do sovaco, acompanhava toda a lateral do corpo e terminava num ípsilon calçado numa base emborrachada. Já a muleta do lado direito era desses modelos canadenses onde uma braçadeira encaixava-se um pouco acima do pulso e a mão apoiava-se numa espécie de punho de bicicleta aproximadamente à altura do quadril. Foi quando olhei para minha direita e vi o touro bufando e mirando na direção das duas. Virei rapidamente mais uma vez, para a esquerda e percebi que a jovem já havia feito carreira e a senhora com os olhos aboticados começou a se mover claudicando daquela forma sui generis, cada vez mais rápido. Não precisei mais desviar meu olhar para a direção do touro pois ele já havia se enquadrado no meu campo de visão. Para meu espanto a senhora largou a muleta do sovaco e com uma habilidade jamais vista, usou a dita muleta canadense como quem vai executar um salto com vara e, apoiando-se no que seria agora seu instrumento olímpico, saltou por cima do touro, para logo depois largá-la e sair em desabalada correria. Pense numa bala, os pés batiam na bunda, mas com uma peculiaridade, a parte do pé que batia na bunda era o peito do pé - Pra quem não entendeu fique de pé, olhe para seus pés, pronto, da raiz dos dedos até o começo do mocotó é o chamado peito do pé e não a sola como naturalmente esperaríamos - Mas mesmo assim deixou o touro na poeira. Vi ainda quando ela passou pela jovenzinha, lembram-se da jovenzinha que a amparava? Pois é, a senhora não só passou pela menina feito um avestruz, me desculpem, mas é só assim que consigo descrever mais ou menos aquela estranha forma de locomover-se, como ainda deu um tapão na cabeça dela resmungando: - Sua covarda. Agora o mais incrível disso tudo é que a senhora abandonou as muletas até hoje, e consegue se deslocar muito mais rápido do que qualquer pessoa dita normal. Pena que só consiga correr. Se andar devagar ela desequilibra e cai, mas ao correr ela torna-se graciosa e veloz como numa gazela fugindo da presa. Só continuo achando estranho é o peito do pé batendo na bunda...


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