Página inicial


  • Código da Vida

    23/10/2015

    Somos levados, no período do aprendizado escolar – eu, pelo menos, posso dizer que tal aconteceu comigo –, a entender como literatura aquele texto ou livro, principalmente de natureza ficcional, em prosa e verso, escrito em linguagem rebuscada, criando tipos e conceitos sobre fatos da vida. Literatura seria a arte de escrever, as belas letras, algo diferenciado do arranjo comum das palavras. É bom ficar claro: Literatura é “expressão de estados de alma e de propósitos pessoais, que só se podem exprimir literariamente”, no entendimento inquestionável de Alceu Amoroso Lima, um mestre no ofício. O jornalismo recolhe e transmite dados e informações. É outra coisa. Esta é a minha opinião. A circunstância de figurarem no espaço da mídia, os autores de simples representação de fatos ou de situações particulares observados ou inventados – jornalistas, comunicadores em geral –, e os configuradores da mimética do real – ficcionistas, cientistas –, indo além da mera reprodução fotográfica da realidade, destacando-lhe elementos universais característicos, deixa margem para identificá-los, apressadamente, como praticantes do mesmo mister literário. O esquisito relatório acima vem a propósito do livro do advogado Saulo Ramos “Código da Vida”, hoje obrigatório em rodas distintas (vip), ditas de intelectuais, de políticos e de empresários, no nosso país. Eu pergunto: seria a obra referida “jornal” ou “memória”, que têm lugar assegurado entre os gêneros literários? Ou fragmentos da história de uma época, excertos doutrinários no campo do direito? Valeria a indagação? Veremos. Pois tal livro me foi presenteado gentilmente, pelo ilustre homem público e inteligente conterrâneo Salomão Gadelha. Advogado, com esmerada formação universitária, Saulo Ramos já nos verdes anos, trabalhou em jornal. Especializou-se no lidar com a linguagem. Não se incompatibilizou, por isto, com a criação literária, o que, evidentemente verifica-se na sua poesia publicada em livro e revistas. No “Código da Vida”, de leitura agradável, que não exige maior reflexão sobre o seu conteúdo, mas riscos e rabiscos, sinalizações, para referências futuras, vejo obra de caráter puramente jornalístico, destaca-se entre outras de igual cabimento. O livro de SR não oferece informações, como se diz, de “orelhada”. Pelo contrário, dá noticia de acontecimentos verdadeiros, por ele vivenciados. Relata teses no campo das técnicas e doutrinas, que sustentam e normatizam a vida pública e privada no nosso país, no processo dialético de sua manifestação. E alegram e ilustram a nossa crônica pessoal de anônimo leitor, pois somos envolvidos na narrativa episódica, chegamos algumas vezes à condição de personagens e partícipes de notáveis acontecimentos incluídos na publicação, o que muitos tinham esquecido. A riqueza do livro está na inteligência viva do ex-Ministro da Justiça, que conta com clareza os fatos vividos, na importância dos assuntos e das personalidades envolvidas. Raramente critica ou julga: induz juízos. Espertamente criou a figura singular de um interlocutor (Gervásio, que “falava em cachoeira”, na verdade ele próprio) a quem atribui a coragem da critica e do julgamento de situações concretas que marcam a vida das pessoas e das instituições; faz reparos aos critérios que levam a sociedade brasileira e também internacional a viver as suas crises e contradições em determinadas ocasiões. Introduz uma história com tipos (Olavo Braz, familiares e agregados) e fatos tão inverossímeis, como de uma aventura acontecida numa região onde a chuva não caí do céu; sai do chão e sobe para o espaço. E não chove água, apenas esguichos de rum, de cerveja. Mas tudo muito vivo, muito atual. Saulo Ramos, independentemente da leitura de Gramsci, acredito, intuíu que o segredo do poder no mundo capitalista, não estava na tomada dos quartéis, mas da redação dos jornais; na produção de conhecimento, de cultura, que se realiza através da mídia, da comunicação. O que anima, sobretudo, a leitura de “Código da Vida” é a riqueza e atualidade da linguagem usada pelo autor, que se mostra uma daquelas fi- guras amadas, de presença indispensável em papos gargalhados ou sussur- rados nos ambientes luxuosos, nos bares caros, em rodas de uísque, nas ante-salas dos gabinetes dos dirigentes dos três poderes da república, dos mega-empresários. Crônica da elite, enfim. Saulo Ramos brilha na apresentação dos estereótipos, dos protagonistas da cena histórica, no uso de palavras que ofendem o senso moral, permitidas aos de sua classe, numa prosódia que valoriza a frase: “o putão do Putin”. Individualidades são a sua marca, como os inquilinos do 202 dos Campos Elísios, de Eça em “A Cidade e as Serras”: o Príncipe da Grã Ventura, Madame de Tréves, Madame Verghane, Madame de Oriol – mulheres, sempre mulheres; condes e sultões, jornalistas desmantelando governos, arruinando fortunas, reputações. Casta que goza na cidade os gozos que ela cria. O tédio na fartura, A grande tragédia, que consiste nas horas melancólicas, de refletir sobre a própria melancolia. Alguma coisa assim é encontradiça em Vanusa Leão e Jô Soares, pelos curiosos e ilustrados meandros de obras de cunho histórico e romanesco mesmo, que produziram. Títulos vitoriosos nas listas dos livros “mais vendidos” nas livrarias do país, meses a fio, perdendo para Paulo Coelho, somente por lhes faltarem as chancelas que a Academia de Letras da França e congêneres outorgaram ao Mago como galardão. Contudo, incomparavelmente inferiores, menores do que o criador do “Primo sílio”. Dá para lamentar. “Tal é a condição para ser um escritor brasileiro hoje em dia: a total incapacidade para qualquer experiência humana genuína, o perfeito ajuste da vida interior à forma dos estereótipos, a adequação harmônica, artística, entre a percepção falsa e a linguagem fraudulenta” (“Saudades da Literatura”, Olavo de Carvalho, Diário do Comércio (editorial), 23 de janeiro de 2006). Não comento o livro de SR na intenção de diminuir-lhe o reconhecido mérito literário, que o tem, de verdade. Apenas desejo determinar o sentido jornalístico, desassombrado do texto, o que não o desmerece, e também o coloca destacado à luz dos princípios da “Nouvelle Histoire”, na visão da mestra Micheline Dantas de Oliveira Jatobá (deixando de lado o método honoriano da história integral, documental, sociológica, heurística, interpretativa, recomendado pelo mestre José Octávio) – como fonte da História na questão dos “bastidores”. Ali encontramos os ex-presidentes Juscelino, Jânio, Sarney, FHC, o ex-governador Ronaldo Cunha Lima, Roberto Carlos, banqueiros, Che Guevara e vai longe. Todos amparam a minha tese, certamente bebidos no advogado romano Quintiliano. Quer o leitor saber da vida, do mundo? Particularmente do nosso país? Conheça-os no “Código da Vida” de Saulo Ramos. E da vida de Sousa escute no noticiário das rádios locais, leia nas páginas e blogs assinados na internet, do jovens experts da comunicação em Sousa. A Salomão o meu agradecimento pelo presente."


    Voltar