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  • Dia do Advogado

    12/08/2015

     Na tarde animada com o chilreado dos galos de campina e rolinhas catando grãos no terreiro, o desafio belicoso das casacas de couro nas aroeiras e nos pereiros do pátio, poucas lembranças da minha vida de advogado, na comemoração do seu dia. Apenas, a assunção de defesas no tribunal do júri, algumas petições iniciais e contestações, agravos, apelações em ações cíveis, petitório eleitoral, nada mais. Uma exceptio litis per transactionem finitae, em razão de cochilo meu no decorrer da ação. O comum na vida forense. 

    Trazidas as vacas da roça, chiqueirados os bezerros, recolhida a criação miúda nos abrigos cobertos, findava o dia. Agora um café quente, mexer no envelope de fotografias, onde me localizo numa mesa de banquete no “11 de Agosto”, no Recife, ao lado de colegas acadêmicos, todos engravatados, destacando-se o bacharel Marcos Freire, então chefe de gabinete do prefeito Pelópidas Silveira, depois prefeito de Olinda, senador, ministro, o algoz da ARENA em Pernambuco, tragicamente desaparecido em acidente aéreo. À noite, era esperar o pio da coruja, o ulular da mãe da lua.
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    Vivo e gosto de morar em Sousa – na cidade ou na fazenda. É o meu lugar. Para falar, em dois somente (são muitos) – entre os milhares de amigos meus – que sofrem a perda da pátria de nascimento, da atividade profissional destacada, da liderança social, refiro Clarence Píres e Waldir Lima. O birô de escrituração das despesas do engenho, o consultório médico de atendimento em clínica geral, a cortejada nobreza familiar, o destaque a que tinham direito nas solenidades cívicas oficiais, constituem a sua própria história. Vivem hoje acabrunhados, acredito, num exílio inglório, de pura escolha. Dá saudade rememorar o passado. Ninguém gosta de perder nada. Mas, foram os dois arrastados pelos filhos, pelos netos. Tenho certeza. Eles que me contestem.
    Para ilustrar a argumentação cito Luiz Jardim que disse em estilo suave: “a pátria é a infância;” e Beaudelaire ”vase de tristesse ô grand taciturne”, fixou em poema antológico: “La patrie c’est l’enfance retrouvée”. 
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    Não retrocederei aos hominídeos, nem à busca de nossa origem simiesca, que remonta – deselegantemente, diria –, aos irmãos macacos chipanzé e aos abomináveis gorilas de que falou Darwin. Começarei com a nossa tradição ocidental, com os civilistas e igualmente militaristas gregos – peninsulares e insulares – de Creta, do Peloponeso, de Tróia e enclaves históricos por todo Mediterrâneo, pelo Mar Egeu. Conheci os tessalonicenses, nos comentários evangélicos de São Paulo Apóstolo, escu-tados sem detida atenção, nas missas de domingos e dias santos na Matriz dos Re-médios. Achava belíssimo o gentílico, a prosódia corrida e ritmada do vocábulo, como um verso, envolvido no mistério dos meus reduzidos conhecimentos de história, de geografia e gramatical da nossa língua.
    São dos gregos, efetivamente, as idéias que percorrem o planeta terra nos seus dois hemisférios, e têm sustentado teses e filosofias, ciência e arte, enfrentamentos e guerras. Hoje, a comodidade do recurso à clareza dos textos via web, que reproduzem as reflexões e as discussões sociais, dispensam afanosa busca em prateleiras e bibliotecas empoeiradas, de recursos limitados. Encontramos tudo que procuramos, com um sim-ples toque de dedo no teclado de um computador ligado à internet. Tal como explicam os instruídos advogado Bosco Fernandes, conterrâneo do Rio do Peixe e o meu primo do Rio Piancó médico Ernani Sá Leite, em citações hiper-eruditas que me destinam fre-quentemente, colhidas na famosa rede www. Isto sem falar em Neumanne, Aranha e Elpídio, aí sim, a coisa toma feição nacional, paraibana – comentam, interpretam, falam de fatos e impasses que de perto nos dizem respeito. 
    Contrariando o que venho discorrendo, escarafunchei e descobri na minha estante A RIVE GAUCHE, do norte-americano Herbert Lottman (Editora Guanabara – RJ, 1987), livro que trata de escritores, artistas e políticos em Paris (1930/1950), e reli algumas páginas. Afirma o autor, apreendendo o drama social e humano desse período que nos “...anos entre guerras, era pacífico considerar a França o centro do mundo literário e artístico, e Paris, natu-ralmente, o centro desse centro.” Ali se organizava a luta contra o nazi-fascismo. Por isso vale a advertência sentida de Oswald de Andrade: 
    “As novas gerações ignoram o que foi o aparecimento sinistro de Hitler no poder. Ao assumir o governo da Alemanha ante a inércia do velho marechal Hindenburg, o criador do nazismo deu como sinal de partida de suas atividades políticas o incêndio do Reischstag (Parlamento)”. Hitler teve e tem seguidores revelados, descobertos, na apuração do Watergate que levou à renúncia o presidente Nixon dos EUA, e no arrombamento da sede do PSB na nossa capital João Pessoa, com violação dos arquivos partidários, que espera a punição dos culpados, que todos conhecem de sobra.
    Entre os que testemunharam o significativo momento, Lottman cita o brasileiro Jorge Amado, que o viveu, freqüentou editoras, participou de congressos, passo a passo com Gide, Malraux, Ehrenburg, Benda, Sartre, dos Passos, a elite intelectual e mais aficionados, atestando o “caráter coletivo das atividades”, todos alinhados, “engajados” como foram qualificados, no combate ao fascismo implantad – o nazismo – crescendo na Alemanha. 
    Sendo a Justiça um conceito universal, a hora sempre é chegada. Herdamos esta trincheira para a luta. Este o nosso destino, a saga humanístico-bacharelesca, nascida em 1827 em Olinda, com a criação dos cursos jurídicos no Brasil. 
    Esse tempo homérico, para o comunista Jorge Amado e mais esquerdistas da primeira metade do século XX, subsidia os relatos da trilogia “Os Ásperos Tempos”, “Agonia da Noite”, “A Luz no Túnel”, publicados inicialmente como um único romance, contidos no épico “Os Subterrâneos da Liberdade”, que narra a crueza dos dias gloriosos da luta dos patriotas brasileiros contra o Estado Novo. Escrito no Castelo de Dobris na Tcheco Eslováquia (hospedagem paga com os direitos autorais), foi traduzido para o alemão, búlgaro, chinês, espanhol, grego, polonês, romeno, russo, esloveno, sueco e tcheco. Em Paris nos anos Oitenta do século passado, visitando o “Vieux Marais”, indicaram-me entre os sobrados no entorno de um espaçoso pátio retangular, a janela do apartamento pertencente ao autor de Cavaleiro da Esperança..
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    A RIVE GAUCHE narra momentos decisivos da vida política no curso da guerra ideológica. Verdadeiramente indicativo, foi o esforço recíproco URSS x EUA, para cooptação de intelectuais para apoio e aprovação do seu modelo de estado. Um retrato do drama universal da luta de classes – não tenho porque esconder esta verdade. Uns preferem defini-lo como entrevero oligárquico, enfeitá-lo com pirotecnia e extra-vagâncias sofisticas e verbais – que não passam de superficiais e típicas modificações do panorama mercantil, do consumo de alimentos, equipamentos e também da arte. Desde os anarquistas do início dos tempos, chegamos a Weber, Marcuse, McLuhan, Fukuyama e mais figuras conjuradas, que falam de impasses de natureza religiosa, de comunicação, de aldeia global, com o objetivo único de preservarem o modo de explo-ração capitalista do trabalhador e da natureza.
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    Eis a herança grega, que se estendeu por todos os países, em momentos oportunos, e vem dos diálogos de Sócrates com seus interlocutores nas feiras e praças de Atenas, fazendo a filosofia descer do trono dos deuses mitológicos para o meio do povo, como relata Platão. “Representa o reflexo da vida, ela mesma, que esteve se modificando durante muito tempo num mesmo ritmo revolucionário”, o que assinala o patriota Álvaro Lins.
    Registram melancolicamente alguns analistas dos acontecimentos, o declínio do prestígio dos literatos pensadores, e a ascensão dos cientistas com o desenvolvimento da energia atômica com o seu poder de destruição – um dado determinante pela iminência da deflagração de guerras. Seria, no caso, mais importante sobre política ouvir cientistas e não poetas. Nem tanto, eu contesto, com uma rebatida irrespondível do poeta Pinto do Monteiro, desdenhando do poder militar da grande nação do Norte, os Estados Unidos da América, referida em conversa no meu alpendre:
    “A América do Norte é quem
    Para todo canto sai.
    É a senhora do mundo 
    Manda em filho, manda em pai,
    Vai para as bandas da África
    Porém pra Cuba não vai.”

    Paro por aqui esta prolixa reflexão e comentário bacharelesco sobre o dia do Advogado, este herói enfatuado, defensor do direito e da justiça.


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