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  • Um dia com o Rei do Baião

    29/06/2015

     O telefone tocou por volta da 7 horas da manhã do dia 13 de dezembro de 1982. Só podia ser uma notícia ruim, pensei comigo mesmo. Não era. Atendi e do outro lado da linha ouvi a inconfundível voz do meu amigo Dezinho Queiroga.

    - Primo, se prepare que nós vamos viajar para Exú - disse, em tom sentencial.

    Era um domingo do sol na quieta Sousa , onde eu morava na rua Galdino Formiga. Pulei da cama, me arrumei e corri na minha manjada Caravan azul para a Lagoa dos Patos. Entramos no Sêneca, pilotado por Marcos Bateria e co-pilotado por Deusdete Filho, cuja comitiva incluia Tico Coura e o dono da aeronave, e subimos aos céus.

    E lá fomos nós para Exú, terra natal de Luiz Gonzaga e para onde ele voltaria a morar. Pousamos por volta das 10h e fomos direto para o palanque armado no centro da cidade. Lá estavam, além do filho de Januário, o governador eleito de Pernambuco Roberto Magalhães, o senador eleito Marco Maciel e o governador tampão José Ramos. Os repentistas Pedro Bandeira e Ivanildo Vilanova travavam um duelo verbal em homenagem ao mais ilustre filho da terra.

    Lembro de um mote que Marco Maciel dera à dupla: "o Rei volta pra casa novamente/ pra viver sossegado no sertão." Um detalhe da festa, que também inaugurava o Parque Aza (com z mesmo) Branca, era a liberação de todos os bares com bebida gratuita. Também presentes, estrelas da música como Elba Ramalho, Fagner, Gilberto Gil, Dominguinhos e Gonzaguinha, filho do anfitrião.

    Do palanque seguimos para a casa de Gonzagão, que ficava dentro do Parque. O prestígio de Dezinho com o velho Lua (que completava 70 anos no dia) era enorme. Tanto que fomos conduzidos por ele para bebermos no lugar mais íntimo da residência: o amplo quarto dele, restrito a nós e aos famosos que lá estavam.

    De volta ao avião, por volta das 17:30h, fomos surpreendidos por Dezinho, já animado pelos muitos copos de cerveja:

    - Vamos terminar a farra em Salvador!

    Por essa ninguém esperava. Mas Dezinho era assim, um tanto extravagante e bom de copo. Para ir a Salvador, era preciso abastecer a aeronave em Petrolina (PE). E foi lá que combinamos fazer uma pressão sobre ele para ficarmos ali mesmo, na cidade pernambucana. Vencemos a rebeldia do nosso ‘chefe‘ e nos hospedamos no Hotel Grande Rio, tomamos todas e fomos dormir.

    Tremendamente ressacado, Dezinho me pediu para fechar a conta da hospedagem. Tinha uma placa enorme na recepção: NÃO ACEITAMOS CHEQUE DE PESSOA JURÍDICA. Só faltava essa. Pedi para falar com o gerente, pois só quem tinha talão de cheque era Dezinho - e da Cociga (empresa dele).

    - Meu amigo, o senhor Deusdete Queiroga tem que pagar a conta com cheque da construtora dele. Se o senhor não aceitar, não terá pagamento.

    O gerente retrucou, inflexível:

    - Não aceitamos cheque de pessoa jurídica e não abrimos exceção.

    Aí eu apelei:

    - O senhor Deusdete é um dos homens mais ricos da Paraíba e é também muito abusado. A última vez que recusaram um cheque seu, ele comprou o hotel e demitiu o gerente. O senhor, por favor, aceite o cheque e consiga um transporte para nos conduzir até o aeroporto, onde se encontra o avião particular do senhor Deusdete.

    Acertei na mosca. O gerente, gaguejando, aceitou o cheque e ele próprio nos acompanhou até o aeroporto, numa kombi do hotel. Talvez tenha ido conferir se a menção ao avião era verdadeira. Pediu tantas vezes desculpas que quase não nos deixava embarcar.

    Nota 1: hoje Dezinho completa 80 anos de vida e essa aventura vai completar 33 anos.
    Nota 2: o tempo é como o vento, voa.


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