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  • 03.10.2018 - 06:45

    Decisão do Ministério Público Federal considera crime político o praticado contra Bolsonaro


    O MPF considerou crime político praticado por Adélio Lopes contra o presidenciável e líder nas pesquisas, Jair Bolsonaro, e assim desqualifica a passional conclusão do Delegado Federal e por isso denúncia o agressor por Crime Contra Segurança Nacional

     

     MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA – MINAS GERAIS Processo n° 4390-61.2018.4.01.3801 (IPL nº 0475/2018).

    MM. Juiz Federal, Ofereço denúncia, em separado, contra ADÉLIO BISPO DE OLIVEIRA, imputando-lhe a prática do delito do art. 20, parágrafo único, da Lei nº 7.170/1983, que “define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social”. Competência. Sob a Carta de 1988, o Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que “só há crime político quando presentes os pressupostos do artigo 2º da Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/82)”1 , relacionados à motivação e aos objetivos da agente, bem como à existência de lesão real ou potencial aos bens jurídicos tutelados pelo diploma em questão. Em consequência, configurado crime político, haja vista a motivação, o objetivo e os resultados da conduta, não há dúvida quanto à competência da Justiça Federal, incumbida de processar e julgar, a teor do art. 109, IV, da Constituição, “os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral”2 . 1 ”… 1. Como a Constituição não define crime político, cabe ao intérprete fazê-lo diante do caso concreto e da lei vigente. 2. Só há crime político quando presentes os pressupostos do artigo 2º da Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/82), ao qual se integram os do artigo 1º ...” (STF, RC 1468 segundo, Relator Min. ILMAR GALVÃO, Relator p/ Acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 23.03.2000, DJ 16.08.2002). 2 A despeito do previsto no art. 30 da Lei nº 7.170/1983, esclarece a jurisprudência da Suprema Corte ser incompetente a Justiça Militar: “… Incompetência da Justiça Militar: a Carta de 1969 dava competência à Justiça Militar para julgar os crimes contra a segurança nacional (artigo 129 e seu § 1º); entretanto, a Constituição de 1988, substituindo tal denominação pela de crime político, retirou1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA – MINAS GERAIS A competência da Justiça Federal, sem embargo, mostra-se igualmente clara à luz da cláusula geral atinente às “infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União”. O denunciado atentou contra a vida da vítima, Deputado Federal que lidera as pesquisas eleitorais relativas à disputa pela Presidência da República, por inconformismo político quanto às suas opiniões, palavras e votos e movido pelo objetivo de excluí-lo fisicamente do pleito3 . Embora não tenha logrado matar o ofendido, conseguiu afastá-lo da campanha nas ruas, ao menos no primeiro turno. Mesmo aos concorrentes, a conduta impôs mudança de tom e discurso, em prejuízo ao debate de projetos para o Brasil. Não é de se excluir a hipótese de que o atentado, acidentalmente, tenha fortalecido a candidatura de JAIR MESSIAS BOLSONARO. Mas o prejuízo ao processo eleitoral, em qualquer caso, afigura-se palpável. Ora, as eleições para a Presidência da República, por envolverem a escolha do mais elevado mandatário da nação, constituem matéria de evidente interesse federal. Não por outra razão, o Código Eleitoral confia a órgão de superposição, o Tribunal Superior Eleitoral, a competência para processar e julgar, originariamente, “o registro e a cassação de registro de partidos políticos, dos seus diretórios nacionais e de candidatos à Presidência e vice-Presidência da República”, bem como “as impugnações à apuração do resultado geral, proclamação dos eleitos e expedição de diploma na eleição de Presidente e Vice-Presidente da República” (art. 22, I, “a” e “g”4 ). Registros de candidaturas e eleições para outros cargos não recebem o lhe esta competência (artigo 124 e seu par. único), outorgando-a à Justiça Federal (artigo 109, IV) …” (STF, RC 1468 segundo, Relator Min. ILMAR GALVÃO, Relator p/ Acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 23.03.2000, DJ 16.08.2002). 3 Com efeito, após informar ter histórico de militância política, havendo sido filiado a partido “durante sete anos”, quando “tentou se candidatar ao cargo de deputado federal”, ADÉLIO BISPO DE OLIVEIRA esclareceu as motivações do crime, ao declarar que “defende a ideologia de esquerda, enquanto o candidato JAIR BOLSONARO defende ideologia diametralmente oposta, ou seja, de extrema direita” e advoga, a seu juízo, “o extermínio de homossexuais, pobres, negros e índios, situação que discorda radicalmente”. Revelou, outrossim, o objetivo do delito, ao enfatizar que “não concorda com o fim das terras indígenas, conforme defendido por BOLSONARO, caso seja eleito”, nem “com as privatizações em massa conforme pregado por BOLSONARO”, uma vez que acredita na “atuação de um Estado forte e presente em todos os setores do país” (fls. 09/10; grifouse). 4 Realçam o caráter nacional das eleições para a Presidência da República, nessa mesma linha, o art. 89, I (“Serão registrados (…) no Tribunal Superior Eleitoral os candidatos a presidente e vice2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA – MINAS GERAIS mesmo tratamento nacional. O interesse federal ínsito às eleições para a Presidência da República abrange a preocupação com a segurança pessoal dos candidatos. Recorde-se que o art. 2º da Lei nº 7.474/1986 dispõe que “o Ministério da Justiça responsabilizar-se-á pela segurança dos candidatos à Presidência da República, a partir da homologação em convenção partidária”, ao passo que o art. 10 do Decreto nº 6.381/2008 consigna que “os candidatos à Presidência da República terão direito a segurança pessoal, exercida por agentes da Polícia Federal, a partir da homologação da respectiva candidatura em convenção partidária”. Por conseguinte, a incolumidade do candidato à Presidência da República, violada pela infração penal em exame, configura interesse direto da União, especificamente proclamado por lei5 . Por outro ângulo, a aplicabilidade da cláusula geral do art. 109, IV, da Constituição da República revela-se, também, em face do entendimento consagrado na Súmula nº 147 do Superior Tribunal de Justiça, consoante a qual “compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário publico federal, quando relacionados com o exercício da função”. O Deputado Federal JAIR BOLSONARO não foi agredido no desempenho de seus misteres parlamentares. Mas sofreu o atentado em razão do exercício do mandato, em especial por declarações que foram interpretadas por ADÉLIO BISPO DE OLIVEIRA como a defesa do “extermínio de homossexuais, pobres, negros e índios”, do “fim das terras indígenas” e de “privatizações em massa” (fls. 10). Algumas das mais polêmicas manifestações do ofendido sobre “quilombolas, indígenas, refugiados, mulheres e LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, presidente da República”), o art. 158, III (“A apuração compete (…) ao Tribunal Superior Eleitoral nas eleições para presidente e vice-presidente da República, pelos resultados parciais remetidos pelos Tribunais Regionais”) e o art. 205 (“O Tribunal Superior fará a apuração geral das eleições para presidente e vice-presidente da República pelos resultados verificados pelos Tribunais Regionais em cada Estado”), todos do Código Eleitoral 5 Igualmente acentuam tal aspecto ARAS, Vladimir, in https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/ o-crime-da-rua-halfeld-qual-e-a-justica-competente-para-julgar-12092018; e CAVALCANTE, Márcio André Lopes, in https://www.dizerodireito.com.br/2018/09/caso-bolsonaro-qual-foi-o-crime.html. 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA – MINAS GERAIS travestis, transexuais e transgêneros)” foram lançadas ao ensejo de palestra que proferiu no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro. Tais declarações resultaram no oferecimento de denúncia, pela Procuradora-Geral da República, no âmbito do Inquérito nº 4.694/DF, pelo crime do art. 20 da Lei nº 7.716/1989, consistente em “praticar, induzir ou incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Por maioria, ao deixar de receber a denúncia, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal observou que “o convite referente à palestra deu-se em razão do exercício do cargo de deputado federal ocupado pelo acusado, Jair Messias Bolsonaro, a fim de proceder à exposição de visão geopolítica e econômica do País”, assinalando que, “da análise de pronunciamentos do parlamentar no âmbito da Câmara dos Deputados, depreende-se a vinculação das manifestações apresentadas na palestra com a atuação no Congresso Nacional”6 . O atentado pessoal guarda idêntica vinculação com a atuação da vítima no Congresso Nacional, tendo sido cometido com o propósito de impedir que as opiniões do parlamentar orientem as políticas públicas federais, na hipótese de sua eleição para a Presidência da República. Tipicidade. O caput do art. 20 da Lei nº 7.170/1983 descreve múltiplas condutas. O parágrafo único dispõe que os resultados lesão corporal grave e morte atraem penas mais severas7 . A conduta de “praticar atentado pessoal” com o fim de provocar o resultado “morte” ou, na frustração de tal desígnio, ocasionando o resultado “lesão corporal grave”, amolda-se, em princípio, à descrição de diferentes delitos, a começar pela do homicídio, ainda que na sua forma tentada (Código Penal, art. 121 c/c o art. 14, II)8 . A possibilidade teórica de subsunção do fato a 6 As transcrições contidas no parágrafo foram extraídas do Voto do Relator, o Min. MARCO AURÉLIO, disponível in http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/INQ4694VotoMMA.pdf. 7 ”Art. 20. Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas. Pena: reclusão, de 3 a 10 anos. Parágrafo único. Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo”. 8 Dentre outros tipos, o de latrocínio abrange aqueles mesmos resultados: “Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: (…) § 3º Se da violência resulta: I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos, e multa; 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA – MINAS GERAIS mais de um tipo penal exige que se verifique se o concurso ou conflito de normas penais incriminadoras é apenas aparente, superável pelos critérios da especialidade, da subsidiariedade ou da consunção; ou se acaso há concurso formal, configurado pela circunstância de nenhum dos tipos envolvidos contemplar todos os aspectos da hipótese fática. No caso, o critério da especialidade afasta o aparente conflito de tipos, excluindo a possibilidade de concurso formal. O resultado – o atentado à vida – é o mesmo, tanto no gênero (Código Penal, art. 121 c/c o art. 14, II) quanto na espécie (Lei nº 7.170/1983, art. 20, parágrafo único). É certo que os tipos têm foco em bens jurídicos diversos. Mas o crime de atentado pessoal por inconformismo político, sem prejuízo da ênfase da Lei de Segurança Nacional em valores como o regime representativo e democrático, não perde de vista a vida e a integridade física, ao agravar a pena em função dos resultados morte ou lesão corporal grave. A prevalência do crime do art. 20, parágrafo único, da Lei nº 7.170/1983 resulta da presença de elementos típicos específicos, que esgotam o desvalor da conduta e circunscrevem a aplicação da norma a âmbito de raio menos abrangente que o da regra geral. O art. 2º da própria Lei nº 7.170/1983 informa os elementos distintivos que hão de ser considerados “quando o fato estiver também previsto como crime no Código Penal, no Código Penal Militar ou em leis especiais”: de um lado, “a motivação e os objetivos do agente” (inciso I); de outro, “a lesão real ou potencial aos bens jurídicos mencionados no artigo anterior” (inciso II), ou seja, “a integridade territorial e a soberania nacional”, “o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito” e “a pessoa dos chefes dos Poderes da União”, a teor do art. 1º, I, II e III, respectivamente. Trata-se dos II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa”. Antes da alteração promovida pela Lei nº 13.654/2018, a redação do § 3º do art. 157 do Código Penal guardada ainda maior semelhança com a do parágrafo único do art. 2 da Lei nº 7.170/1983: “§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa”. O art. 7º da Lei nº 13.260/2016 contém previsão semelhante, no tocante aos atos de terrorismo: “Art. 7º Salvo quando for elementar da prática de qualquer crime previsto nesta Lei, se de algum deles resultar lesão corporal grave, aumenta-se a pena de um terço, se resultar morte, aumenta-se a pena da metade”. 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA – MINAS GERAIS requisitos de ordem subjetiva e objetiva reclamados pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para a tipificação de crime contra a segurança nacional9 . Os requisitos em exame, ressaltou o Min. CELSO DE MELLO no Voto que proferiu no Recurso Ordinário Criminal nº 1.468-5/RJ, “erigem-se à condição de elementos estruturais do tipo penal”, cuja objetividade jurídica “reveste-se de inquestionável especificidade”10 . Todos os elementos da figura típica fazem-se presentes. Conforme acentuo na denúncia, a motivação política do agente é declarada. Interrogado quando da lavratura do auto de prisão em flagrante, ADÉLIO BISPO DE OLIVEIRA afirmou haver “duas motivações” para a sua conduta, “uma de ordem religiosa e outra de ordem política”. Quanto a essa última, esclareceu que “defende a ideologia de esquerda, enquanto o candidato JAIR BOLSONARO defende ideologia diametralmente oposta, ou seja, de extrema direita”, advogando, a juízo do denunciado, “o extermínio de homossexuais, pobres, negros e índios, situação que discorda radicalmente”. Asseverou que “não concorda com o fim das terras indígenas, conforme defendido por BOLSONARO, caso seja eleito”, nem “com as privatizações em massa conforme pregado por BOLSONARO”, uma vez que acredita na “atuação de um Estado forte e presente em todos os setores do país” (fls. 10). Reinquirido, enfatizou que “a sua motivação se deu em razão das ideias propostas pelo candidato, assim como em razão das suas manifestações públicas com conotações racistas, contra os interesses dos povos indígenas, a favor de armar toda a população, além de pregar o extermínio de todas as pessoas que tenham a ideologia de esquerda” (fls. 107/108). Como anoto na peça anexa, a motivação política declarada 9 Confira-se: “… 1. O Supremo Tribunal Federal, a partir de interpretação sistemática da Lei nº 7.170/83, assentou que, para a tipificação de crime contra a segurança nacional, não basta a mera adequação típica da conduta, objetivamente considerada, à figura descrita no art. 12 do referido diploma legal. 2. Da conjugação dos arts. 1º e 2º da Lei nº 7.170/83, extraem-se dois requisitos, de ordem subjetiva e objetiva: i) motivação e objetivos políticos do agente, e ii) lesão real ou potencial à integridade territorial, à soberania nacional, ao regime representativo e democrático, à Federação ou ao Estado de Direito. Precedentes. ...” (STF, RC 1472, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 25/05/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-217 DIVULG 10-10-2016 PUBLIC 11-10-2016). 10 STF, RC 1468 segundo, Relator Min. ILMAR GALVÃO, Relator p/ Acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 23/03/2000, DJ 16-08-2002. 6 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA – MINAS GERAIS pelo agente, com a ressalva da ilegitimidade da conduta que perpetrou, é compatível com o seu histórico de militância. ADÉLIO BISPO DE OLIVEIRA informou haver sido filiado a partido político durante sete anos, o que se deu entre 06/05/2007 e 29/12/2014, conforme dados colhidos no sítio do Tribunal Superior Eleitoral (fls. 262/263), quando “tentou se candidatar ao cargo de deputado federal” (fls. 09). Outrossim, é coerente com o seu engajamento político em redes sociais, nas quais efetuou postagens qualificando políticos como “inúteis” e reivindicando a renúncia do atual Presidente da República, dentre outras também formuladas em tom de protesto revelador do seu inconformismo (fls. 238/248), dirigido em particular contra a vítima, a quem reservou as suas manifestações mais agressivas (fls. 243/244). Também são de teor político documentos e recortes de jornal apreendidos no quarto de pensão que o denunciado ocupava em Juiz de Fora/MG, com destaque para projetos cuja autoria o próprio ADÉLIO BISPO DE OLIVEIRA reivindica para si (fls. 215/237). A sua participação política, antes de desvirtuar-se, compreendeu a formulação de representações perante o Ministério Público Federal, em 25/11/2015 e em 07/01/2016, em defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa (fls. 570/571). Quanto ao objetivo do agente, saliento que o denunciado dirigiu a sua conduta ao assassínio do Deputado Federal JAIR MESSIAS BOLSONARO. Nesse sentido, confirmou que “atingiu o candidato com uma faca”, bem como que “a faca utilizada para tentar matar o referido candidato estava envolta em um papel, visando escondê-la” (fls. 09). O propósito do ato foi o de eliminar fisicamente o candidato da disputa pela Presidência da República, excluindo-o do pleito, de modo a impedir que as suas ideias, caso acolhidas pela maioria, passassem a informar as políticas públicas do Governo Federal. O objetivo, em suma, diante da perspectiva da eleição daquele de quem “discorda radicalmente” (fls. 10), foi o de determinar o resultado das eleições, não por meio do voto, mas mediante violência. ADÉLIO BISPO DE OLIVEIRA agiu, portanto, por inconformismo político, nos termos do art. 20, parágrafo único, da Lei nº 7 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA – MINAS GERAIS 7.170/1983. Irresignado com a atuação parlamentar do Deputado Federal, convertida em plataforma de campanha, o denunciado insubordinou-se ao ordenamento jurídico, mediante ato que reconhece ser extremo (fls. 108). Por certo, não se aplica ao caso a antiga doutrina da segurança nacional, que se preocupava mais com a perseguição de opositores do Governo que com a segurança do Estado. Já não há maior importância em qualificar-se ou não o denunciado como subversivo, com a carga semântica que o termo adquiriu no regime que engendrou a Lei nº 7.170/1983. Cuida-se de examinar a conduta pelo prisma da Constituição de 1988, à luz da qual o debate de projetos para o país deve ser livre e a insatisfação não pode degenerar em violência, em prejuízo do processo democrático11. Conforme o magistério de HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, quando se fala em crime contra a segurança do Estado, “pretende-se punir somente as ações que se dirigem contra os interesses políticos da Nação”, gravitem esses “na órbita da segurança externa” ou “na órbita da segurança interna”, cumprindo ter presente que se protege “também o Estado democrático com a segurança da manifestação da vontade do povo na escolha dos governantes de tal modo que os crimes eleitorais também atingem os interesses políticos da Nação”12 . O raciocínio há de alcançar, por maior razão, os delitos que, não sendo da competência da Justiça Eleitoral, implicam severo prejuízo ao processo democrático. A densidade ideológica e a sofisticação da motivação política 11 Nessa linha parece ser a advertência lançada pelo Min. LUÍS ROBERTO BARROSO, ao pronunciar-se no julgamento do Recurso Crime nº 1.472/MG: não se cogita de “aplicar a Lei de Segurança Nacional num mundo que já não comporta mais parte da filosofia abrigada nessa Lei, que era do tempo da Guerra Fria e de um certo tratamento da oposição como adversários” (STF, RC 1472, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 25/05/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe217 DIVULG 10-10-2016 PUBLIC 11-10-2016). Já quando do exame do Recurso Ordinário Criminal nº 1.468-5/RJ, o Min. MOREIRA ALVES sublinhara ser “preciso dar-se de certa forma interpretação evolutiva a uma lei que surgiu em circunstâncias outras e que ficaram num segundo plano”. De sua parte, o Min. CELSO DE MELLO ressaltara que “os bens jurídicos, a que se refere o art. 1º da Lei nº 7.170/83 (…) hão de ser identificados na perspectiva jurídica e na dimensão sócio-cultural em que se projetam os valores imperantes no âmbito da sociedade e da comunidade estatal brasileiras” (STF, RC 1468 segundo, Relator Min. ILMAR GALVÃO, Relator p/ Acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 23/03/2000, DJ 16-08-2002). 12 Para uma interpretação democrática da Lei de Segurança Nacional, artigo publicado em O Estado de S. Paulo, edição de 21.04.1983, disponível in http://www.fragoso.com.br/wp-content/uploads/2017/10/20171003012614- interpretacao_democratica_lei_seguranca_nacional.pdf. 8 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA – MINAS GERAIS do denunciado são indiferentes à tipificação da conduta como crime contra a segurança nacional. Não se cogita de delito próprio de filósofos revolucionários. Relevantes são os prejuízos potenciais e efetivos ocasionados pela ação de ADÉLIO BISPO DE OLIVEIRA. Narra a denúncia que, no plano potencial, o atentado pessoal perpetrado contra o candidato que lidera as manifestações de intenção de voto para Presidente da República, consoante pesquisa eleitoral realizada entre 01/09/2018 e 03/09/2018 e divulgada na véspera do fato13, representou violento golpe contra o regime representativo e democrático. Por um lado, a tentativa de eliminação física do favorito na disputa pelo primeiro turno, em esforço para suprimir a sua participação no pleito e determinar o resultado das eleições mediante ato de violência – e não mediante o voto –, expôs a grave e iminente perigo de lesão o regime democrático; produziu risco sério e palpável de distorção no regime representativo, consistente na perspectiva de privação, à força, da possibilidade de milhões de eleitores sufragarem as ideias e propostas com as quais se identificam. De outra parte, no plano concreto, a conduta provocou lesão real e efetiva ao processo eleitoral, ao afastar o candidato JAIR BOLSONARO da campanha nas ruas, talvez definitivamente, e ao exigir a reformulação das estratégias dos concorrentes14 . 13 V. http://www.ibopeinteligencia.com/noticias-e-pesquisas/jair-bolsonaro-segue-liderando-a-corridapresidencial/. 14 Sem prejuízo da certeza quanto à lesão ao regime representativo e democrático, a extensão do dano somente poderá ser aquilatada em perspectiva, em face dos desdobramentos que o acirramento de ânimos no debate político possa provocar. Embora inédito na vigência da Constituição de 1988, a prática de atentado pessoal a candidato à Presidência da República, compreendido o vocábulo nos estreitos limites do art. 9º do Ato Institucional nº 2/1965, encontra perigoso precedente no Atentado do Aeroporto dos Guararapes, ocorrido em 25/07/1966. Em função do crime, dois foram presos e um, acusado e condenado, pelo Superior Tribunal Militar, como incurso no art. 25 do Decreto-Lei nº 314/1967, que à época definia “os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social” e tipificava as condutas de “praticar devastação, saque, assalto, roubo, sequestro, incêndio ou depredação; ato de sabotagem ou terrorismo, inclusive contra estabelecimento de crédito ou financiamento, massacre, atentado pessoal; impedir ou dificultar o funcionamento de serviços essenciais, administrados pelo Estado, ou mediante concessão ou autorização” (peças processuais disponíveis para consulta no projeto Brasil: Nunca Mais, in http://bnmdigital.mpf.mp.br/sumarios/200/160.html). Consta que as provas que embasaram a condenação vieram a ser refutadas pela Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara. Se o Deputado Federal JAIR MESSIAS BOLSONARO, aqui, foi atingido, mas sobreviveu, o Marechal ARTUR DA COSTA E SILVA, ali, não desembarcou no Aeroporto do Recife, como previsto. Mas, a bomba que explodiu nos Guararapes produziu duas vítimas fatais e treze feridos, quase todos com gravidade. Com a explosão de tal bomba e de duas outras, naquele mesmo dia, na referida Capital, “surgira o terrorismo de esquerda” (GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada: Companhia das Letras, 2002, p. 241), em contexto caracterizado por crescente brutalidade na repressão estatal, sintomático da periclitação da segurança do Estado Democrático resultante da exacerbação da intolerância à divergência política e da perda do respeito à vida. Como se vê, não se pode descuidar do sensível caráter da conduta em exame no tocante à defesa do Estado e das instituições 9 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA – MINAS GERAIS Conclusão. Assim, afigurando-se competente a Justiça Federal e sendo formal e materialmente típica a conduta, requeiro que Vossa Excelência receba a denúncia e determine a juntada das competentes certidões de distribuição criminal. Juiz de Fora, 01 de outubro de 2018. MARCELO BORGES DE MATTOS MEDINA PROCURADOR DA REPÚBLICA