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  • 19.07.2017 - 08:11

    Ex-deputado e historiador Eilzo Matos lembra os 100 anos do ex-governador João Agripno Filho


    Num fim de tarde, na casa do saudoso amigo João Romão Dantas Rothéa (faço questão de frisar o Rothéa em respeito à sua memória) havia muitos carros na porta, muita gente no alpendre, nas salas, uma intimidade permitida pelo cavalheirismo e coronelesco status do clã. Escutavam-se vozes misturadas, as alegres saudações e exclamações de praxe. Estava montado o palco eleitoral para um dos atos da campanha de Clarence Pires para prefeito do município: o comício da noite. 


    Presentes alguns secretários do governo; para ilustrar a comitiva, entre eles, o competente Otacílio Silveira, cunhado do dono da casa que era casado com a sua irmã Tiinha, criatura extraordinária em receber, acomodar, decidir e decifrar situações assim coletivas na vida sertaneja. E na política era de fato eficiente. Lá para tantas, Antonio Mariz disse-me que João Agripino lhe falara no meu nome, em comentário sobre a revista “Letras do Sertão”. Ficou nisso. 


    João apareceu tarde, já no fim do comício, preso a outros compromissos, mas o povão não arredava o pé, esperava-o para ouvi-lo relatando e explicando as ações do seu governo. Todos em silêncio, aplaudindo nos momentos importantes de sua fala. Podiam não aceitar as suas teses, todavia, não deixavam de escutá-lo, aderindo secretamente na urna, quem sabe. Daí as suas vitórias. E ele não era de meias palavras e medidas conciliatórias. Para usar o jargão sertanejo, tinha sempre a bala na agulha e só atirava no “doze”. 


    O nosso relacionamento era simplesmente ocasional e formal. Embora militando partidariamente alinhados, percebi que ele procurava evitar intimidade de correligionário comigo. E não me abespinhava, isso não me preocupava. Ele sabia com certeza, dos meus arroubos acadêmicos no Recife, em relação à política nacional, elogiando em artigos a criação da Frente Parlamentar Nacionalista, no Congresso, tema que não era infenso à sua família, conforme posições de Otávio, seu tio, Manoel e Antonio seus primos: o primeiro criador de liga operária em Sousa, o segundo candidato a deputado estadual pelo Partido Comunista e o terceiro, como eu, defensor da criação da Petrobrás e mais teses nacionalistas na época. 


    E nada ele poderia exigir de mim, que não me sentia obrigado a ouvi-lo e segui-lo nessas questões. Convivíamos guardando cada um a sua independencia de opinião, quanto à problemática da economia e da soberania do país. Mas ele era o governador do Estado e eu um advogado modesto, que já anulara, todavia, por decisão unânime do Tribunal de Justiça − em mandado de segurança impetrado em defesa de direito violado − dispositivo inserido na nossa Lei Maior. O que não lhe agradara com certeza.


    Na frente nacionalista que empolgava o país, estavam alinhados os seus adversários paraibanos José Joffili pessedista e Jacob Frantz trabalhista, lembrados sempre por mim com demonstração de orgulho. Quanto a ele, udenista, era incluído na chamada bancada entreguista no Congresso. Jamais fiz menção ao seu nome a qualquer propósito, respeitando a sua condição de conterrâneo e respeitabilidade quanto à sua conduta moral. Devo-lhe a complementação da votação na minha primeira eleição para deputado estadual: os votos do município de Uiraúna, que seguiram a sua orientação. 


    Valia para João a consciência dos deveres éticos, também familiares nas suas posições, e eu era um da sua área, compondo a frente municipal em Sousa, com Antonio Mariz e Clarence Pires. Uma relação que durou muitos anos e atravessou momentos decisivos na política paraibana. Apoiávamos o seu governo.


    Como sabem todos, João era mulherengo. Tornara-se moda contar-se “causos” de personalidades notáveis, por esta razão, narro este, na linha fescenina de suas conversas e saudações iniciais nas visitas políticas no interior. Ao chegar ele era recebido pelo varão da família, geralmente já idoso.

    As mulheres escondiam-se receosas, quem sabe ansiosas, nas camarinhas. João falava com gestos largos: 
    − Então coronel, tudo em paz, saúde boa?
    Respondia o dono da casa: 
    − Tudo como Deus quer. Saúde não me falta, governador.
    João replicava traçando humor nas palavras: 
    − É o que lhe desejo. Mas desconfio que da cintura para baixo você está atrapalhado. 
    Riam todos. O amigo treplicava, assim corria a visita e cumprimentos de velhos amigos, chegando afinal à política. 

    Eilzo Matos