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Praça Rural II
24/11/2016
Sinto nas cidades do Nordeste, onde moro, que ainda se respira o
campo, perpassam eflúvios rurais em anúncios mercantis e também em teses acadêmicas – sobre os costumes, o ambiente doméstico e campestre, embora recorrentemente pastichados. Assim as festas juninas, as vaquejadas. Não se trata simplesmente de nostalgia, mas da ação de alguns interessados na apropriação de bens materiais e também culturais transformados em valores financeiros, que movimentam e sustentam um modelo de Estado.
A construção de um tipo de sociedade que elimina o indivíduo e
também a coletividade, e entroniza entidades que representam mitos e efígies, falam do bem e do mal, arrancados do memorial das nações, tratam enfim, do que cria incertezas na vida das pessoas. Buscar o melhor para todos, eles asseveram, ser este o seu desiderato. Escondem a angústia e o desespero que dominam a sociedade. Resiste, todavia, a tradição,
apesar de atraiçoada, na falsificação intencional das referências que
lhe fazem. E nós dividimos envolvidos na crise.
Ocupando-me sempre em raciocínios e projetos um tanto extravagantes, diria singulares, e estimulado pela memória pessoal cheia de lembranças de fatos, de sugestões tiradas da leitura de textos nos variados campos das ciências sociais e da literatura, e sua teoria, na busca de descobertas comparativas e explicativas da sociedade dos homens ditos civilizados, cheguei à Praça Rural. Quero dizer, à idéia de inclusão nas políticas culturais públicas, do que eu chamo Praça Rural – local de encontro
para negócios e lazer, da população que ainda mora no campo,
cristalizando em tradição os costumes do lugar, porque na verdade estão ameaçados da mais grosseira descaracterização.
O fato é que a população campesina não é atraída, mas puxada para
a cidade, garantindo-lhe o Estado a reboque do Mercado, serviços públicos que lhe oferecem assistência à saúde, educação, alimentação, moradia, as famosas “cestas básicas”, e mais recursos que movimentam a conta usurária dos empresários que vendem tudo, até a própria honra com a invenção de nomes e processos), no estelionato praticado em ações subliminares nas chamadas parcerias publicas/privadas. Submetido a tais exigências, o campo tem sido a vítima maior no desenrolar das crises do sistema capitalista. Começou com o comprometimento irreversível e quase destruição total dos recursos naturais,de ecossistemas principalmente, nos quatro cantos do mundo. Sabemos do risco que representa para a saúde das pessoas, beberem água não “tratada”. Disponibilizam-na purificada para os que moram na cidade.
Desconheço algo neste sentido dirigido para o campo. Um ex-presidente brasileiro famoso pela sua le- viandade e maluquice esquizofrênica, referindo-se ao Nordeste (no caso ao campo) disse que mora em luga ruim quem quer. Em boa hora foi posto para fora do governo.
Vivem as cidades a cultura do desespero, construindo modelos insólitos de expressão social na economia e na arte, que só valem quando
chancelados pelo Mercado, pois não se trata da razão e do conhecimento, mas de representações que se devem ajustar ao sistema. Continuo na minha tese, no meu projeto de criação de praças rurais.Delas necessitamos nós que moramos no campo. Se argumentaramsobre o Direito à Cidade, acrescento a promulgação da Declaração da Diversidade Cultural considerada “o ápice normativo da Unesco, principalmente no tocante a uma das competências que lhe dá sentido, qual seja: a instituição voltada para a construção de categorias de compreensão social e aqui, mais especificamente, a elaboração de conceitos relativos
ao tema da diversidade cultural (PITOMBO, Mariela “Espaços e
Atores Da Diversidade Cultural”, Edições Casa de Rui Barbosa, 2009, Itaú Cultural). Daí o reconhecimento da imposição como semente de inclusão social, da existência das praças rurais.
Constatamos explosões desarrazoadas de sentimentos nascidos na cidade. Eis aí o risco, o pecado da unicidade. A manifestação estúpida, e por que não dizer cretina no campo da música popular, do “movimento manguebeat”, impossível de ser explicado vernaculamente, para a fuga que empreende a juventude, prisioneira do Mercado, assumindo novotipo de exclusão e dependencia. Intentam criações insólitas. Vivendo naCidade do Recife, a “quarta pior cidade do mundo para viver”, os que se
autodenominam mangueboys, desorientados apropriam-se do trágico
na periferia – a lama escura do manguezal que guarda os caranguejos que alimentam os homens pobres e os escraviza inelutavelmente. Nos estreitos limites intelectuais de sua formação descobrem, confessam: “Fiz uma Jam session com o Lamento Negro, aquele grupo de samba--reggae, peguei um rítmo de hip-hop e joguei no tambor de maracatu...Vou chamar essa mistura de mangue” (Ob.cit. pág.281).
Mera excentricidade, que passa a caracterizar a modernidade: a
transgressão, o contra, como usar a aba do boné para traz.
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