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  • Virginius da Gama e Melo – notícias bio-bibliografica

    29/11/2015

     Descendendo pelos lados paterno e materno de ilustres famílias paraibanas, destacadas pela militância política, tendo em ambos os ramos familiares representantes na Câmara dos Deputados e no Senado, e governado o Estado com Gama e Melo e Argemiro Figueiredo, nasceu Virgínius Figueiredo da Gama e Melo da Gama e Melo no dia 19 de outubro de 1922, na rua General Osório, antiga Rua Nova, na casa número 71, em João Pessoa. Essa marca familiar estaria sempre presente na vida do bacharel Virgínius da Gama e Melo que a literatura roubou à política. Ele, o tribuno, o articulador, o conselheiro. O jornalismo político era uma de suas paixões. Mesmo sem assinar coluna especializada no assunto, na sua crônica diária do jornal “O Norte” encontrava sempre uma deixa para falar de política e de políticos,
    Perdendo a mãe, Severina Figueiredo da Gama e Melo, aos três anos de idade, passou o menino, em companhia do pai Pedro Celso da Gama e Melo, a morar na casa da avó paterna, na mesma rua General Osório. Dez anos mais tarde, contando Virgínius apenas treze anos, faleceu o seu pai.
    Com a tia Ana (Nininha para os íntimos) professora do Grupo Escolar Pedro II, fez o curso primário, distinguindo-se no exame final, presenciado pelo fiscal estadual do ensino. Decorre daí, um fato curioso e marcante na vida do futuro romancista, que, para conseguir matrícula no curso secundário, teve que alterar a data do seu nascimento, aumentando um ano a sua idade, segundo depoimentos de parentes.
    Nesta primeira quadra de sua vida, Virginius revelava-se uma criança de hábitos caseiros com extraordinária dedicação à leitura, sem demonstrar, todavia, através de textos de sua lavra, o futuro escritor que viria a ser, e o homem de vida pública intensa, isto é, vivendo na rua, nas redações dos jornais, nos bares, na Universidade. A criação na casa da avó paterna, sob os cuidados das tias ciumentas, fê-lo prisioneiro do desvelo e ascendência de familiares, inclusive dos tios e avô pelo lado materno que vindos de Campina Grande a negócios na capital sempre o visitavam. Da vidfa no vetusto sobrado dos Gama e Melo e dos cuidados do coronel Salvino Figueiredo, saiu Virginius concluído o curso ginasial no Colégio Pio X, em João Pessoa, para cursar o famoso Colégio Pernambucano e ingressar na velha Faculdade de Direito do Recife.
    Os estudos de Virgínus eram custeados pelas tias que o criaram e pelo tio do lado materno Bento Figueiredo, conhecido por Belinho, ex-prefeito de Campina Grande. Data dessa época o encontro de Virgínius com a vida boêmia do Recife. “Oh que tristeza quando soubemos que Virgínius estava frequentando cafés!”. A exclamação é de Lia, cuidadosa tia, revelando a preocupação da família com carta de Belinho Figueiredo, inteirando-a do fato.
    As férias eram divididas entre as casas das tias em João Pessoa e a casa do avô em Campina Grande, na fazenda. Na capital discutia política e literatura nas rodas mais frequentadas do Ponto Cem Reis, e inciava-se na boemia com Mário Santa Cruz, Geraldo Porto e outros amigos de geração. Em Campina Grande demorava-se da fazenda Campo do Boi, onde já estivera em tratamento de recuperação de uma pleurisia, apanhada aos quinze anos. O mal do pulmão que o mataria.
    Virginius foi um estudante como os demais, no tocante à vida e o aproveitamento escolar. Destacava-se, entretanto, pela acuidade do seu pensamento humanístico, de suas posições políticas. Sílvio Porto entre os paraibanos, Demócrito de Sousa Filho e os poetas Deolindo Tavares e Carlos Pena Filho, entre os pernambucanos, foram amizades que marcaram a sua passagem no Recife. Então já colaborava com regularidade na imprensa da capital pernambucana, com artigos de crítica literária e páginas de ficção.
    Concluído o curso de direito em 1946, regressou Virgínius ao Estado natal, fixando-se em Campina Grande com banca de advogado, a convite do tio Argemiro de Figueiredo, ex-interventor do Estado. Entre a advocacia, a literatura e a política dividia as suas atividades. Tornou-se famoso como inflamado orador de comícios na campanha eleitoral de 1950, na qual o seu tio Argemiro, candidato a governador, foi derrotado por José Américo de Almeida, apoiado por forte coligação de partidos. 
    Antevendo o longo período de ostracismo a que estaria condenada a família, Virgínius retornou ao Recife, morando com o tio-afim deputado Veneziano Vital do Rego.
    Conheci-o em 1953 no Recife, ele o poeta Edson Régis de Carvalho (fundador do Correio das Artes, de A União), funcionários do IPASE, servindo na Procuradoria Jurídica no cargo de Redatores. Vivia Virgínius intensa fase de sua vida boemia e literária. Colaborava regularmente no Suplemento Literário do Jornal do Comercio, e, no Diário da Noite, assinava movimentada coluna diária com o título “Política É Isso Mesmo”, cobrindo especialmente os trabalhos da Assembleia Legislativa do Estado.
    Fugindo das rodas da “cultura oficial”, Virginius tornou-se mesmo assim, o mais conhecido e o mais respeitado crítico literário na primeira metade dos anos Cinquenta no Recife. No bar “A Portuguesa” que ele frequentava, na rua Diário de Pernambuco, partilhava a sua mesa com carregadores de fretes farejando a cachacinha, políticos a procura de notícias e literatos em busca de notoriedade. 
    Os excessos da vida boemia levaram-no a novo internamento, para tratamento de tuberculose pulmonar por recomendação do médico paraibano Laurênio Lima, que o tratou no consultório por algum tempo. No hospital do “Sancho” advieram-lhe complicações da administração de medicamentos, com sintomas de perturbação mental e tentativas de fuga. Trazido pela família de volta à Paraíba, conseguiu recuperar a saúde no Hospital Clementino Fraga.
    Do longo período de disponibilidade no hospital, trouxe Virginius o acúmulo de meditações, de leituras e releitura de obras fundamentais para consolidação de sua cultura humanística, e uma visão profunda dos problemas da literatura e da estética.
    O seu retorno à vida na casa das tias em João Pessoa, a volta às colunas dos jornais, o ingresso na Universidade como professor de Teoria da Literatura, cadeira da qual foi o fundador, e ainda de Literatura Hispano-Americana e de Literatura Portuguesa, causaram um impacto muito grande no nosso movimento cultural, do qual ele assumiu a liderança.
    Virginius dedicou a vinda inteira à literatura e à arte. E o fez na opção do afastamento dos grandes centros, na sua cidade natal, como acentuou Ipojuca Pontes. Apesar do despeito e do descontentamento de algumas mediocridades destronadas, a todos estendia a mão para ajudar, a todos oferecia orientação para o trabalho na seara das artes. A Virginius se ajustaria bem este retrato de Ezra Pound traçado por Hemingway, na fase parisiense da famosa “generation perdue”: “Foi o mais generoso e desinteressado dos escritores que já conheci. Vivia ajudando a poetas, pintores , escultores e novelistas em cujo valor acreditasse, mas ajudaria igualmente aquele cuja obra nada lhe inspirasse, desde que estivesse em dificuldade.”
    No seu gabinete de trabalho, nas mesas dos bares, onde quer que se o encontrasse Virginius estava cercado de amigos, de admiradores, na discussão de problemas gerais, e da arte em particular. Eram estudantes, jornalistas, escritores, artistas, políticos. Lembro-me como ele gostava de analisar os fatos políticos, o comportamento dos homens e dos partidos, a evolução do pensamento político como tese e ação de governo. Essa temática haveria de marcar a sua literatura.
    Virginius não se contaminara de um mal que ataca certa categoria de intelectuais, levando-os a fazer pouco caso da política. É célebre a irritação do personagem de Huxley o cientista Lord Edward que produzia em laboratório “girinos assimétricos” ao gritar para um interlocutor perplexo: “Mas eu não entendo de política!” Tal prevenção conduz ao desencontro entre as elites intelectuais e as elites políticas, ignorando aquelas no seu isolamento, que em todo e qualquer sistema político o fator eleitoral é indispensável para a conscientização das massas, e para o exercício e aprimoramento da democracia. “Não adianta você não se preocupar com política, mesmo assim a política se ocupa com você.” Eis uma regra indiscutível, cuja autoria é disputada por Napoleão e o conde Montalembert.
    A noção da realidade ética da política como expressão do homem social, ditava em Virginius o seu apreço pelos políticos e a escolha dos temas para os seus romances, o seu pensamento literário. Era a compreensão do exercício da política no contexto histórico-cultural, que o levava a verberar na sua revolta, o desvirtuamento das estruturas pelos aventureiros, pelos demagogos, pelos impostores, o que fez sem piedade nos seus romances.
    Quando concluímos abalados, a leitura de “Tempo de Vingança” e “A Vítima Geral”, e nos perguntamos sobre o tema, os acontecimentos e suas circunstâncias, situamos essas narrativas no domínio do histórico e do real, recriados, transfigurados com uma força imensa.
    A literatura histórica, amplamente exercida na Paraíba a par de uma historiografia inaugurada por José Octávio de Arruda Melo, inspirada em José Honorio Rodrigues e outros ensaistas modernos, indicarão claramente os choques entre perrepistas e liberais, e o episódio do assassinato do poeta e vereador Félix Araujo, a identificação de pessoas, o envolvimento de familias, a descrição de lugares onde se desenrolaram os fatos das narrativas virginianas.
    Virginius realiza nos seus romances uma exploração do passado político da Paraiba, ele contemporâneo dos fatos, testemunha e/ou participante, pelo envolvimento de pessoas que lhes eram caras, pelos laços de família. É um esforço doloroso e cruel, quase uma autoflagelação que pratica na construção dos seus romances, sem uma palavra de simpatia pela ação e pelos atos dos líderes na condução da massa ignorante, sem que constitua objetivo da ação política desenvolvida a eliminação da pobreza, da miséria. A única reflexão que ele permite nos dois romances a um personagem intelectualizado, é a de Carlos Agra, em “A Vítima Geral” um spengleriano na classificação do próprio autor, que denuncia uma decadência física e moral dos homens da região “padecendo de fome crônica e subnutridos. E ainda mais esses políticos irresponsáveis numa agitação que só tem finalidade pessoal.”
    O mais é a narrativa crua dos acontecimentos, a descrição fiel de personalidades deformadas, para as quais, a conquista do poder representa a sociedade com o erário, o enriquecimento pessoal. Virginius parece que deseja a condenação póstuma dos oportunistas e dos impostores, e execração dos remanescentes daquele mundo viciado ao recriar as fases de crise e transformação da vida política paraibana. São romances em que a trama se desenvolve sem a influência do autor, pelo caráter estereotipado dos personagens, pelo sentido histórico dos fatos.
    Pode-se em literatura, falar-se em honestidade do criador , isenção e independência do artista? Em caso afirmativo, acredito que Virginius conseguiu pela firmeza do seu caráter e sua formação intelectual apurada, exprimir um pensamento, onde a representação artística consegue superar o dilema de Irving Howe. Duvida da possibilidade de alguém escrever um romance político, que seja realmente um romance, isto é, mais imaginativo que um documento e menos subjetivo que um panfleto.
    Foi esse o Virginius que eu conheci e me habituei a admirar, capaz de condenar o exercício de todas as tiranias, quando defendia os artistas e os pensadores russos “dissidentes” ao mesmo tempo que tinha a coragem de afirmar, diante dos fatos, que os norte-americanos não eram mais os campeões da democracia e da liberdade.
    A extraordinária capacidade de trabalho de Virginius da Gama e Melo, abrange realizações nos mais variados campos e movimentos da arte. Entre eles o cinema, onde foi consultor literário (Menino de Engenho), roteirista (Paraiba pra seu Governo e Poética Popular), pesquisador (Incelença para um Trem de Ferro) e diretor (Contraponto sem Música). Mas a sua grande paixão era a literatura.
    Na sua atividade como jornalísta e escritor deixou Virginius as breves crônicas e artigos das secções “Eu e Você”, “Literatura e Vida” e “ Ponto de Vista”, assinados nas páginas do “Correio da Paraiba”, “A União” e o”Norte”, e numerosos ensaios sobre a literatura publicados na imprensa de Pernambuco e do Sul do país.
    Gozando de inegável prestigio na vida literária brasileira, recebeu Virginius muitos prêmios pelo seu trabalho, valendo assinalar os da UFPB e o de Carlos de Laet, da Academia Brasileira de Letras, com o ensaio “O AlexandrIno Olavo Bilac”; o do Serviço Nacional de Teatro para a sua peça “A Modelação”; o Paulo Setubal do Conselho Estadual de Cultura de São Paulo com o ensaio “Campo Épico e Lírico do Cavaleiro de Tatui"; e o José Lins do Rego do Instituto Nacional do Livro, com o romance “Tempo de Vingança”, publicado pela editora Civilização Brasileira. O segundo romance A Vítima Geral, publicado pela editora José Olimpio, após a sua morte, foi recebido com entusiasmo e elogios pela critica nacional, e conquistou o Prêmio de Ficção da Academia Paulista de Letras e da Fundação de Cultura do Distrito Federal.
    Faleceu Virginius aos 52 anos de idade, vítima de enfisema pulmonar, conforme atestou seu amigo e medico José Clementino, que o acompanhou nos últimos momentos de vida. Era o primeiro de agosto de 1975. Com anotícia a Paraíba viveu momentos de profunda comoção. As homenagens prestadas pelos amigos, pelo povo e pelo governo do Estado, no seu sepultamento e repetindo-se a cada dia, demonstram o carinho e o reconhecimento dos paraibanos à sua memória. (Prosa Caótica - Editora A União - 1985).


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