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  • Um Kojak em Sousa

    30/01/2014

     Sousa, 1980. Juntamente com Doca Gadelha, João Estrela, Jonas Abrantes Gadelha e outros advogados, iniciamos um movimento suprapartidário para que o governador Tarcísio Burity nomeasse um Delegado de Polícia de carreira para a cidade. À época, respondia pelo cargo um sargento da Polícia Militar. Nada contra o PM, mas Sousa era sede de curso de Direito (Campus VI da UFPB), o que por si evidenciava a justeza do pleito.
    Burity acatou a reivindicação e o delegado fora nomeado. Severino Olímpio, agente de Polícia, iniciou a coleta de doações para que o nomeado fosse recepcionado festivamente no BNB Clube. Todos colaboramos com bebida e dinheiro, principalmente o comércio. A festa tinha que ser grande, dizia Severino.
    E chegou o grande dia. O veículo do novo delegado deixou a BR 230, vindo de João Pessoa, e parou direto no estacionamento do clube. Aí desce o homem da lei de terno e gravata, cara de valentão, mas ao mesmo tempo simpático. A entrada no interior do clube foi triunfal: as palmas quase não paravam. Depois de umas e outras, era hora dos discursos de praxe, algo que não pode faltar nessas ocasiões.
    Saudado por vários oradores, principalmente nós advogados, o homenageado é anunciado, empunha o microfone e pronuncia um curto e curioso discurso, com sotaque que lembrava os filmes policiais americanos:
    - Muito bem, muito bem, muito bem...obrigado por esta recepção. Eu vou ser bem direto, hã?: a partir de hoje está decretado o fim da criminalidade nesta cidade. Tolerância zero com os bandidos! Esse é o meu lema. E tenho dito.
    Aquele sotaque me soou familiar e eu pensei comigo mesmo: esse camarada imita Kojak (personagem interpretado por Telly Savalas em uma série de TV dos EUA, exibido na década de 70). Não deu outra.
    No dia seguinte, chegando bem cedo na Delegacia, um Kibon na boca, o nosso Kojak encontrou um sujeito sentado no sofá da sala e foi logo dizendo:
    - Ora, ora, ora, preso outra vez, hã?
    - Não, doutor, eu não estou preso, vim aqui tirar um atestado de residência - respondeu o nervoso cidadão.
    - Você não mudou nada, hã? Sempre com gracinha. Raimundo (Jerônimo, escrivão), recolhe esse indivíduo para averiguações! Aos costumes.
    Foi preciso Raimundo explicar que conhecia o dito cujo e que era um cidadão de bem. ‘Kojak’ acatou a ponderação e liberou o suplicante. Em seguida o escrivão anuncia que outro cidadão, vítima de furto, deseja falar com o delegado para registrar uma ocorrência.
    - Well, well, well, já não nos vimos antes?
    - Não doutor, é a primeira vez que vejo o senhor.
    - Eu quase nunca me engano, hã? Você parece com um famoso 157*!
    O Kojak ‘sousense’ seguiu com o hábito da desconfiança em relação a todos quantos fossem à Delegacia. Ficamos um tanto frustrados com o resultado da nossa luta, até pensamos em pedir a volta do sargento, mas o novo delegado era um boa praça e isso compensava o lado um tanto atrapalhado, meio fanfarrão, daquela autoridade policial.
    *Artigo do Código Penal que prevê o crime de roubo.


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