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  • A flor do cemitério

    30/07/2013

     Naquela manhã fria de maio, Marina Coeli acordou chorando. Tivera um sonho agoniado e pavoroso. Um desconhecido lhe aparecera durante o sono e a convidara para acompanhá-lo por uma estreita alameda do cemitério de Bananeiras. Para ganhar sua confiança, confidenciara que fora amigo de sua mãe. Dito isto, se dirigiu a um mausoléu que ficava na ultima fila do campo santo, voltado para o muro dos fundos, ao contrário dos demais. Envoltos na penumbra da noite, o percurso foi feito pelos dois personagens até a sepultura. Convidada a entrar na catacumba, Marina se assustou ao presenciar o “dono da casa” desaparecer inesperadamente. No endereço eterno do desconhecido, conseguiu ver na lápide de granito uma mensagem. Era assinado por uma mulher, com o nome de uma flor. Acordou alarmada. A alma do outro mundo queria levá-la para o seu convívio.

    No dia seguinte o assunto dominou as conversas da família e dos vizinhos mais próximos. Surgiram teorias e conselhos. Aquela alma queria reza. Uma missa em favor do desconhecido, seria um santo remédio. O problema era justamente esse: um desconhecido. Como endereçar orações em favor de um ente qualquer do além túmulo... Ficou, porém, acertado, que Marina deveria rezar um terço. O seu visitante onírico, por certo, ficaria agradecido. As orações poderiam também servir para evitar a repetição desse devaneio aterrador. Marina prometeu seguir ao pé da letra as recomendações dos amigos.

    Na noite seguinte, bastou Marina cair no sono e o visitante bateu novamente à sua porta, digo melhor, ao seu sono. O cenário era o mesmo e o roteiro foi repetido. O homem insistia para que ela o acompanhasse ao  sepulcro que ocupava. Desapareceu campa à dentro, e Marina,  ainda  leu na laje,  que o defunto tinha o nome parecido com Belchior. O nome da mulher era uma flor, mas ela não lembrava qual.  O sonho voltou por três vezes. Era preciso tomar uma atitude a respeito. Marina estava com os nervos à flor da pele.

    O vizinho mais próximo ouviu a história e resolveu por o assunto em pratos limpos. No jeep de seu Arlindo, partiram para o cemitério. Logo da entrada, na  via principal da necrópole municipal, Marina apontou  o jazigo visto nos seus sonhos.

    - É aquele ali, gritou nervosa..

    Os visitantes contornaram a tumba e puderam ler, cortado no granito: “Aqui jaz, Zelino Beckman, saudades de sua esposa, Hortência”.

    Hortência era o nome da flor que Marina não lembrava. O morto, soube-se depois, era um professor mineiro que veio trabalhar sem a família no Patronato Agrícola Vidal de Negreiros, e faleceu longe dos seus. Alguns anos depois, a esposa veio a Bananeiras e mandou construir o túmulo onde deixou gravada a sua mensagem de saudade.

    Os mais velhos lembraram a passagem de Zelino pela cidade. Os mais novos,  com Marina,  mandaram celebrar várias missas em favor de sua alma. A partir de então, Marina passou a dormir sem sobressaltos. Zelino, o visitante dos  sonhos de Marina, famoso depois que essa historia veio a público, recebe, todos os anos, no Dia de Finados, gente caridosa que  acende muitas velas ao redor de sua cova.


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