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  • Dia da Consciência Negra

    13/10/2014

     Essa data serve como um momento de conscientização e reflexão, sobre a importância da cultura e do povo africano na formação da cultura brasileira. Os negros africanos colaboraram durante nossa história, nos aspectos políticos, sociais, gas-tronômicos e religiosos de nosso país. Falam em Zumbi dos Palmares e esquecem José do Patrocínio. Valorizam o sofrimento, a tortura, esquecem qualidades morais, in-telectuais. Valem, todavia, os registros, os esforços de cada um. Muita matéria para um texto breve, mas tentarei. Leitura para quem dispõe de tempo.
    Tenho com os negros uma relação próxima da amizade, desde o tempo de criança. Décadas 30 (final) e 40 do século passado. Viva era a lembrança da escravidão na nossa cidade. Negros freqüentavam a minha casa – os homens para lascar lenha, carregar objetos pesados, as mulheres lavadeiras de roupas, cozinheiras, engomadeiras, empregadas da cozinha, da arrumação da casa, dada a situação de quase absoluta dependência em que ficaram essas pessoas, durante muito tempo, com o advento da Lei Áurea. 
    Em Sousa lembro-me de algumas famílias de negros como os "Toicinhos'', ''Reis", "Carlotas", “Constantes” e outras agregadas a casas de brancos afortunados. O negro Chico Pé Torto, engraxate, animava uma congada. Destacava-se entre todos, para alguns curiosos, o negro José Reis, professor de primeiras letras, famoso pela sua pal-matória, que dava aulas usando palavras estrangeiras, em imaginárias viagens partindo de Sousa para qualquer outra cidade de qualquer continente. Era usual, as famílias valerem-se do seu nome para ameaçar crianças preguiçosas, que se recusavam ir para a escola. 
    Ele aprendera tudo ali mesmo. A carapinha branca e a roupa modesta, limpa, de tecido de saco alvejado, chamavam a atenção, impunham respeito. Ele começava a viagem imaginária (aula de geografia) partindo no trem de Sousa para o Recife, e de lá no vapor (navio) para outros portos e mais trens e meios de transporte para o destino indicado. O avião era praticamente desconhecido como meio de transporte. Falava de países, reinados, repúblicas, cidades, montanhas, rios, desertos, florestas, animais estranhos, selvagens, tribos de índios, beduínos, etc. etc. Um encantamento. Estava na moagem, no gado, no milho, no feijão, no carro de boi a sua teoria econômica. Um mestre que antecedeu o famoso Paulo Freire no “modo inclusivo da realidade” na prática do ensino, na pedagogia. Mas passado aquele momento voltava a ser o negro Zé Reis visto nas missas, nas procissões, mas ausente nos clubes e outros ambientes burgueses a que os negros não tinham acesso, embora nenhuma lei o proibisse, mas eles evitavam, se escusavam. Outro negro, Biluto, padeiro, destacava-se porque pegava sozinho saco de cereais de oitenta quilos. Os demais eram chapeados comuns e cachaceiros, ofereciam-se nas portas para serviços eventuais. Eram pobres. 
    Conheci em Sousa, na década de cinqüenta, um negro velho que falava com ódio dos tempos do cativeiro. A marca ficara-lhe no espírito. Nascera, segundo dizia, livre, beneficiado pela chamada Lei do Ventre Livre. Alto, magro, a pele retinta e reluzente, a carapinha embranquecida, trôpego pela avançada idade, reagia com dignidade à chacota dos desocupados que lhe apontavam no pescoço, nos tornozelos e nos pulsos, marcas inexistentes de grilhões. Ameaçava com uma “relação” ao Presidente, encaminhando queixa para reconhecimento do seu direito declarado em Lei. Egresso da riqueza de um engenho de Brejo de Areia, vivia com parentes do Professor Senhorzinho, numa fazenda perto da cidade. Conhecera a escravidão de ver os seus submetidos ao tratamento desumano, e por relatos dolorosos. Perdia o controle algumas vezes: “Filho da Puta!” Reagia às provocações. 
    A rejeição ao negro manifesta-se em uns quanto ao biótipo, o odor característico; em outros à enraizada intolerância aristocrática. Assim, esses homens e mulheres oferecem em todos os países para onde foram levados, uma saga de luta e sofrimento para realçar a sua negritude, a sua condição humana. Entretanto, quantos brancos de-dicaram-se à sua causa! A discriminação, portanto, diz respeito ao dinheiro não à raça. A marca indelével da condição de escravo. Conheço, entretanto, para comprovar a minha tese, negros endinheirados, que não cedem em reuniões a cadeira para branco se sentar. Uma nova realidade social. Entendo que o acesso ao que é público é direito de todos. O congraçamento, o estreitamento no tratamento grupal ou pessoal, entretanto, é decisão própria, específica dos que o pretendem. 
    No exagero sustentam-se os que buscam privilégios, vantagens em relação aos demais. Eis o racismo ou discriminação. E o exagero se especializa a cada dia. Espero e não desacredito em Medida Provisória, que ampliará à inclusão de negro, gay ou índio, etc. a soma de categorias outras, de canhoto, aleijado da perna, do braço, da coluna, cardíaco, aidético, asmático, míope, etc, como diversidade ou diferença. É a multi-plicação das vantagens ditas inclusivas. Sacanagem mesmo para consumo dos tolos.
    Sou admirador da negra Benedita da Silva que venceu na vida, como se usa dizer. Lavadeira de roupa num morro carioca, de família numerosa, inteligente, chegou ao senado, ao governo do Estado, foi ministra e hoje é deputada federal. Mas para mim é uma negra feia que só o cão. Não posso, entretanto, emitir tal opinião, porque incorrerei nas penas aplicáveis ao crime de racismo. Mas posso afirmar que Sharon Menezes é uma negrinha linda. Quanto aos homens, todos acham o afilado Thiaguinho um tipo clássico do negro preto, padrão de beleza masculina, e que o Paulo Paim é solidário. 
    Resta-me dar a mão à palmatória. Acho a notável Benedita uma negra feia, cha-boqueira; Emilio Santiago advogado, um ótimo cantor, Pinxinguinha melhor sax e compositor, que se destacaram sem cotas; aventuro-me a dizer que Chico César é um negrinho agradável quando quer, mas vai vencer pelo tipo esquisito que explora malandramente, não pelas cotas, mas pela boa música, que aos críticos tidos como renomados lhe atestam. Quantas pessoas brancas, negras, amarelas assim adotam a moda de esnobar: sim é sim não é não! Tive e tenho amigos e amigas negras. Esta relação flui naturalmente. Existem mulheres e homens brancos que não tolero ver, muito menos com eles conviver. Que envergonham não somente a raça, mas a espécie humana.


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