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  • Casa-Grande & Senzala

    28/09/2014

     (Monteiro Lobato: “... O Brasil... vai ser o que Gilberto Freyre disser...” (1944); Darcy Ribeiro: “Casa-Grande & Senzala é o maior dos livros brasileiros e o mais brasileiro dos ensaios que escrevemos...” (1977); Fernando Henrique Cardoso: “De alguma forma Gilberto Freyre nos faz fazer as pazes com o que somos (2003) 

    Como tem acontecido muitas vezes, para encher o meu tempo, retiro da estante para releitura e consulta um livro entre os guardados, há algum tempo. Hoje CASA GRANDE & SENZALA (tomado por empréstimo à Biblioteca Municipal de Piancó, Dr. Firmino “Ayres” - mera retaliação -, na verdade Leite seu sobrenome materno, com o qual era de fato conhecido). Mas falemos do livro, objeto de elogios e chacota pelos partidários da esquerda e da direita na universidade dos anos Cin-quenta/Sessenta em Pernambuco. Aos setenta e oito anos de idade vivo comodamente numa fazenda velha de minha propriedade, que serviu no passado para prática da agricultura e da pecuária, mais qualificativa do que rentável, dada minha ocupação profissional como advogado que me proporcionara verdadeiramente rendas financeiras e prestígio social. 
    Recolho na memória, fato marcante na minha vida de acadêmico, nascido no sertão semiárido da Paraíba, atrasado e pobre. Era modestíssima a minha formação intelectual, literária direi melhor, pois o ensino secundário e superior na primeira metade e primeiras décadas da segunda metade do século XX, ainda estava localizado nas capitais dos Estados, ou nas grandes cidades que começavam a aparecer. Na verdade, desde o tempo das capitanias, e no século XIX as famílias ricas encaminhavam os seus filhos para a Europa, para Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, principais cidades do país, mais acessíveis aos nordestinos. A ascensão da classe média me levou para a Faculdade de Direito do Recife.
    Ali cheguei já cultivando preconceitos culturais, próprios da sociedade que foi colonial na sua origem. A evolução política da região, fundada nos mestres europeus do Iluminismo e do Marxismo, em oposição a ideologias conservadoras, ao dogmatismo da teologia tida como inimiga do progresso, que atravessara a Ásia e a Europa e chegara à América Latina. 
    O ambiente acadêmico era agitadíssimo, dominado pelas discussões do Direito − meio e modo da vida social organizada. Pátria de mártires na luta pela liberdade, Pernambuco guardava na sua história a violência na repressão a tais princípios e propósitos. Desde a expulsão dos holandeses, o fuzilamento de Frei Caneca, a execução de um estudante num meeting, na Pracinha do Diário, à deposição e exílio do governador Miguel Arrais, travava-se uma luta de vida e morte entre os grupos contrapostos. 
    Na campanha nacional contra a ditadura, Gilberto Freyre ingressara na formação do grupo que daria nascimento à UDN, partido que era então considerado o mais "entreguista" no país, elege-se deputado federal. Vem daí, acredito, a minha in-disposição com o homem público e escritor, pois a minha família militava no núcleo que formou o PSD, e na faculdade eu formava na esquerda. Assim eram os costumes no meu tempo, na Paraíba e em Pernambuco.
    Retirei, pois, como falava, o volume da estante. Edição especial, comemorativa dos 70 anos de Casa-Grande e Senzala, patrocinada pelo MEC, “venda proibida". Um monumento como usamos dizer. Fora eu, noutro tempo, um leviano e reles crítico de Gilberto Freyre, desconhecendo inteiramente a sua obra, patrulhado ideologicamente pela esquerda radical a que me ligara na Faculdade de Direito do Recife. Vinha tal procedimento de influência familiar (um tio-afim foi candidato a deputado estadual pelo Partido Comunista em 1946) e iniciação nas ruas e nos estudos secundários em Campina Grande, essa ligação com os socialistas militantes. 
    Vivendo o exílio doméstico − o afastamento do núcleo familiar −, assimilei até certo ponto, a nostalgia ressentida dos exilados políticos. Gilberto Freyre pertenceu à última categoria: “Em outubro de 1930 ocorreu-me a aventura do exílio.” Assim inicia GF o prefácio da 1ª edição do seu “livro perene”. Hoje eu vivo um novo e espontâneo exílio, afastado da convivência social a que me habituei na minha vida social e política. O que fazer? É a vida como ela é. 
    Este breve registro, nas anotações de minha memória, não receio dizer, pouca importância possuem, além do mero gesto de comentar fatos da minha vida, dada a desimportância dos meus escritos do ponto de vista das letras propriamente literárias, e também em qualquer ramo das ciências humanas. Considero importante assinalar que as pesquisas e conclusões do pensamento humanístico e também científico do mestre de Apipucos, pouco serão lembrados e referidos pelos estudiosos da nossa sociedade, em razão da irreversibilidade do êxodo das populações do campo para a cidade, nascido entre outros fatores demográficos, pelo desenvolvimento do comércio e da indústria. 
    A criação e fabricação de produtos e equipamentos destinados ao uso doméstico, medicinal e atividades de larga escala, a conservação de alimentos, eliminaram o pilão, o moinho, os purgadores. A senzala hoje é outra, “pesquisantes” a serviço do governo para insinuar mudanças para o bem dos escolhidos e garantir ganhos pessoais, começaram com “cadeirantes” e “brincantes” chegaram à pedra-filosofal, de que não tratou o mestre Giba, dispensado, portanto, de referência pela inatualidade do seu pensamento. Tem mais para comentar sem recorrer ao Google. Mas o fundamental, é que as mudanças globais confirmam que o método dialético do conhecimento e do desenvolvimento na natureza e na sociedade ensina que dois termos essenciais, somente, o novo e o velho sobreviverão sempre, e que o passado alicerça a construção do futuro. E para falar dos costumes, da vida das pessoas, ninguém melhor, no caso brasileiro, do que o Mestre Gilberto Freire. (continua: ENCONTROS E DESENCONTROS. GILBERTO FREYRE, II - Cidade Ultrajada APOLOGIA PRO GENERATIONE SUA. (Revista do Norte, Recife, 1924).

     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     


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