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  • Ezra Pound e Hildeberto Barbosa

    23/03/2014

     Sessenta e oito anos de empenho foi quanto levou a composição do “CANTOS” de Ezra Pound (Nova Froneira 2012), ele o afirma, e também contam os biógrafos e estudiosos de sua extensíssima obra literária. Não me proponho tiradas de sua vida de polígrafo, somente algumas breves referências, e registros dos historiadores e críticos da literatura. E colocá-lo ao lado do poeta paraibano Hildeberto Barbosa Filho. Avulta neste mister, atenção às anotações de fatos sucessivos e curiosos da controvertida personalidade intelectual do primeiro, que dominou a poética do século XX, traçan- do novos rumos e construindo, na expressão de Hugh Kenner “uma épica sem enredo”. As considerações alinhadas, propõem-se chamar também a atenção, igualmente, para a construção da obra poética do paraibano, com o lançamento do seu “NEM MORRER É REMÉDIO, Poesia Reunida” (Ideia, Pb 2012), um misto de lirismo e épica apo-tegmáticas. Poeta completo, cuja poesia quer ser apenas poesia, sem significado encoberto em títulos e representações. Tão jovem ainda e já tem lar, conta no banco, biblioteca, paisagens, lembranças, amores, passado, tradição. 
    Os comentários aqui reunidos, simplesmente são visões breves, sem erudição e desenvolvimento necessários, para tese tão abrangente e ao mesmo tempo indutora no campo da crítica e teoria da literatura. Hildeberto, entretanto, isso quero dizer: não é nem será um anônimo intelectual, um suicida das letras. Pelo contrário, prende-se ao propósito de perpetuador da vida, porque, afinal, a manifestação maior de sua consciência é a antenada e inextinguível expressão do texto literário, que se propõe via e leito da crônica humana, como um ato da criação que se prende na eternidade. 
    TS Eliot explicou-se: “com tais fragmentos foi que escorei as minhas ruínas, pois então vos conforto”. Mas Hildeberto não falaria em ruínas, certamente o faria sobre arquétipos monumentais, da natureza humana em versos prosaicos ou, marcos para duração que se perderia no tempo, indestrutíveis, inapagáveis. A poesia tem essa força de criadora de mitos, de inspiradora de modos e modelos grandiosos.
    Acho interessante e curioso o sentimento pedagógico que está pre-sente na poética de Pound, na absorção e composição de palavras e textos em línguas estrangeiras, nos ideogramas chineses, no cavalheirismo e na ética provençal. Um cuidadoso mestre-escola, chega a parecer. São falas e comportamentos que ditam datas históricas. É um monumento literário descritivo de avaliações e julgamentos, como se fossem tirados da contabilidade de um banco, realidade tão recorrente na sua familiar crítica às construções financeiras, erguidas até ao relento e através de pilhagens sobre cadáveres insepultos pisoteados.
    Em poesia a forma é aglutinativa de sentimentos e palavras. Eis o que poderia ser considerado um axioma poundiano, envolvendo o ideograma e o metrômeno. Sempre ela a palavra, o Verbo, inscrito na voz dos poetas. Pound é mais narrativo, comparativo, exuberante: sabe do histórico e do eventual, do político, do brado e do silêncio; já Hildeberto, registrando até minudências intemporais, a sua vida, que é a de todos, debruçado talvez na mesa de uma estalagem maldita, tocan-do a face nas tábuas úmidas e gordurentas, copia um atribulado personagem de Conrad. Romantismo? Não sei. Cientismo, pode ser, que se depreende da escolha de um terceto do “Budismo Moderno” de Augusto dos Anjos, como epígrafe para o seu livro em questão. Nos dois o “espetáculo do amor em vastas e acesas clarabóias”.
    Inacreditável e legendário já se mostra, o fazer literário de Hildeberto, que descobre o “orgasmo das pedras” lavadas pelas águas em turvas imagens, de assaz insondáveis grutas − os escaninhos da vida reprodutiva, orgânica e inor-gânica, por contato, metamorfose. As grandes questões, os movimentos e momentos ditos imperceptíveis, se interpenetram na sua poesia como termos de uma equação sem incógnitas, O fascinante momento da submissão de elementos quânticos ondulatórios, à irresistível doçura do lirismo feito em palavras. O desenrolar da vida marcando situações humanas, reduzindo-a aos ínvios circuitos do destino, à metá-fora do rio, que reproduz coisas assim, de primitivas e gigantescas abduções, consumadas nas fraudes e nas seduções. Afinal disso vivemos e disso somente tratamos.
    Não foi por acaso, que Monsieur Jourdain descobriu, que durante toda a sua vida, sem o saber, dialogava e argumentava em prosa. Os poetas, também sensíveis criaturas do povo, conhecem este procedimento. Pessoas com a mente em perpétuo movimento aglutinativo ditam conclusões, criam conceitos, propõem regras. Aludem a questões acima de vultos e personagens eruditos e prosaicos, clássicos e ordinários. A sede de álcool de Hildeberto, leva ao delírio – mera psicopatia – e equivale ao equívoco ético-político de Pound, aderindo ao fascismo, mero estado d´alma. Fogem do seu mister, não criam versos exemplares, que preparam o cerimonial da própria morte, como acentuaria Rainer Maria Rilke. 


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