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  • Os rumos da minha vida

    26/12/2015

    Os rumos de minha vida, a minha determinação, em nada imitam a do Jacinto, de Eça, mas, um pouco se assemelha, nas suas constatações e resultado. Do Príncipe da Grã Ventura personagem de "A Cidade e as Serras", herdeiro da quinta e casa senhorial de Tormes, no Baixo Douro, de um apartamento no 202 dos Campos Elísios, cultivei, em princípio, a sua equação metafísica “suma ciência x suma potência = suma felicidade”. A melancolia, e algumas vezes o tédio citadino me levaram a tais conclusões. 

    Vale a pena resumir acontecimentos, reflexões e dores que nos assaltaram. Argumentava o delicioso personagem: “que criação augusta a da cidade... só o fonógrafo me faz verdadeiramente sentir a minha superioridade de ser pensante que me separa do bicho... agora era por intervenção de uma máquina que abotoava as ceroulas. [...] A mesmice – eis o horror das cidades!.. na natureza nunca eu descobriria um contorno feio ou repetido... é por estar nela suprimido o pensamento que lhe está poupado o sofrimento.” Voltar para quinta agora mostrava-se solução para fugir ao desgosto e à depressão urbana, citadina.
    A imperiosa realidade do instinto, todavia, dita necessidades:
    “Mas, caramba, faltam mulheres!... Com efeito era grande e forte a Joaninha...” e sumamente indicativos, Eça transcreve dois versos de uma balada cavalheiresca:
    Manda-lhe um servo querido,
    Bem hajas dona formosa!
    E que lhe entregue um anel
    E com um anel uma rosa...
    O meu Príncipe já não é o último Jacinto porque naquele solar que decaíra, correm agora, com soberba vida, uma gorda e vermelha Terezinha... e um Jacintinho.”
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    Natal e Ano Novo longe da família. Ocorrem-me lembranças que sufoquei no fundo da memória. Prefiro esquecê-las, ou silenciar. 
    Num tempo mais recuado, do Natal guardo recordações precisas, uma mistura de comemorações burguesas no seio da família, e o perambular triste e solitário em ruas apinhadas de gente. Tempo da infância na casa dos meus pais, e nas ruas do Recife, na juventude, estudante de parcos recursos financeiros, morando em quarto de pensão.
    O nascimento do Salvador, a significação de Sua vinda ao mundo não me despertaram jamais reflexões profundas. Muito cedo inculcaram-me a existência de um Papai Noel, a quem eu deveria prestar contas do meu comportamento de menino e a quem me dirigir para receber recompensas. O mais era traduzido em farta comida, pratos raros, canções estrangeiras, frenesi comercial e anedotas. Assim o Ano Novo, sem nada que me induzisse a um inventário de ações.
    Sozinho, a cidade distante, hoje recorro à leitura para encher o tempo.
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    Na véspera de Ano Novo tive companhia para o jantar. A empregada estava com a fisionomia carregada. Ela é uma velha amiga da minha família, e lamenta sempre que pode o meu isolamento, o afastamento do lar. Conheceu-nos em dias de grande prestígio social, estimados e festejados. Escolhendo as palavras, temerosa de minha reação, exproba comovida, a decisão que me jogou nestes ermos.
    Moradores da fazenda saborearam comigo a suculenta sopa. Alegres com a carne farta que não consta de suas refeições, criavam ditos. Como são estreitos os horizontes dessas pobres criaturas! Sem dinheiro no bolso, não puderam comparecer à festa anual na cidade.
    Descobri que em dias e ocasiões especiais, eles chegam para colher sentenças, informações, que ouvem curiosos. Têm-me na conta de pessoa de grande conhecimento dos fatos do mundo, que troco em miúdos para eles. É de minha experiência fora do mundo onde moram, que esperam explicações para as suas dúvidas.

     


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