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  • Evilásio Marques Pinto, a crônica que não foi lida

    10/03/2015

    Tenho em mãos os originais em dois volumes de um trabalho elaborado por Evilásio Marques Pinto, que trata do resgate literário de aspecto interessante da memória sócio-cultural da nossa cidade de Sousa: o jornalismo de uma época. 

    Meticuloso e cuidadoso como fazia o seu falecido pai, o emérito Professor Virgílio Pinto de Aragão, em relação à vida de sua cidade, narrada e descrita em textos e documentos, Evilásio assume a herança intelectual, elabora o seu livro. O título da obra “A Crônica Que Não Foi Lida”, alude a fatos destacados pela sua reconhecida importância, quando aconteceram, reais, dominando, certamente, o painel das idéias da nossa urbe, da nossa gente, e supostamente guardados. 
    Não se tendo tornado os fatos convencionalmente públicos, isto é, através do seu Serviço de Alto-Falante Voz da Mocidade – modo e meio competente na época –, sabiam os interessados, que tais lembranças desa-pareceriam com a memória pessoal de cada um. Para sorte de todos, Evilásio quer salvá-los, levá-los mais longe no tempo, reduzindo-os à forma escrita e impressa. Pois aqui está o livro, revelando as “crônicas não lidas”, este veraz e delicioso saltério sousense.
    Farta é a documentação reunida em textos autênticos colhidos pelo serviço de alto-falantes, que tratam do cotidiano de uma comunidade como outras: da administração pública, das atividades empresariais urbanas e rurais, da educação, da cultura, da saúde, do urbanismo, do esporte, do lazer, da política, enfim. Oportuno o esforço, melhor o resultado. Inclusive a reprodução de jornais do passado, e a Portaria 65 do Serviço de Censura e Diversões Públicas, autorizando o funcionamento da “Voz da Mocidade”, com estatuto publicado no Diário Oficial, devidamente apresentado no Cartório do Registro de Títulos, tudo com data e chancela. Como não? Posso afirmá-lo como sousense, contemporâneo das vivas ocorrências, e está no livro, para conhecimento geral. 
    O autor goza entre os seus conterrâneos o prestígio de iniciativas e realizações no ambiente da cultura, criando um cadastro de dados acessível à população, podemos dizer. A sua vocação para o jornalismo nos pre-senteou com o “Serviço de Alto-Falante Voz da Mocidade”, de que tratamos, e a revista literária “Fatos”, que durante largo espaço de tempo existiram e serviram de meio e apoio na divulgação de notícias e debates, desempenharam relevante trabalho no campo da Comunicação Social no nosso meio.
    Ali reencontro o rapaz Nozinho de Aldo falando dos seus amores, da saudade de Sousa, exilado, longe no estudo, mais tarde juiz de direito, fundador e diretor da Faculdade de Direito de Sousa, jornalista, intelectual consagrado com o seu nome próprio Firmo Justino de Oliveira. Colaborador erudito, Edísio Justino cultivava grandes temas, ao lado do sisudo Otávio Mariz e do espirituoso e irônico Zú Silva contando as suas histórias. E mais Sylvio Timótheo e Gastão Medeiros evocando datas, pessoas, Eládio Melo, e Professor Senhorzinho discutindo os costumes, os vultos venerandos da pátria. Romeu Gonçalves e Nias Gadelha, em discussões veementes sobre a política partidária local, secundados por Luiz O. Maia o mais terno, trágico e mavioso entre os poetas de Sousa ou que aqui viveram, outros e outros, inumeráveis, tratando de intimidades, opinião pública, cidadania.
    E pasmem! Coisas nacionais e internacionais, universalizando o nosso métier. O Sputnik, o inverno, a seca, o comércio, os bancos, a indústria, os costumes, estão ali no livro. E os severos e cáusticos comentadores e críticos alônimos como “Marcelo”, “Zé da Boa Vista”, e o famosíssimo na época “Léo–Dênis”, que provocou censura e intervenção policial na programação da “Voz da Mocidade”. Duvidam? Comprem o livro. A portaria famigerada será editada em fac-símile.
    Chamo a atenção dos leitores para a importância dessas realizações, na atividade hoje denominada mídia, criadas por Evilásio, numa época que não existiam estações de televisão, e a rádio-difusão somente funcionava nas capitais dos Estados, nas grandes cidades. Localidades do interior, Sousa entre elas, viviam o seu próprio universo humano e social em movimento, mas isolada, ausente do noticiário que falava do hoje, do moderno do que estava por vir.
    Entre outras denominações e títulos dados aos programas, tão sugestivos, também este do gosto local, que assegurava audiência e popularidade à sua “Voz da Mocidade”. Ele sabia que era importante despertar curiosidade, provocar suspense para se tornar irresistível, daí a denominação do programa e o título do livro: “A Crônica Que Não Foi Lida”. Intuiu que todos fariam indagações, se entregariam à conjecturas. O que não foi lido? Algo importante, com certeza, envolvendo interesses reservados da sociedade local, que não deveriam ser divulgado na época. E todos desejariam saber. Evilásio fez muito bem em decidir publicar em livro o que foi lido e caminhava para o esquecimento. Está no caminho certo, coberto de razão. O seu livro será lido como as suas notícias eram escutadas e comentadas. Faziam a vida da cidade. E lhe somos gratos. Quantas lembranças renasceram na minha memória cansada, que não se encorajava em buscá-las, não sabia onde procurá-las.
    Considero suaves, estimulantes e ternas tais lembranças. Afinal de contas muitas ali estão renascidas, para nova fruição. Por que não?

     
     
     
     
     

     


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