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  • inimigos por engano

    30/03/2015

     

    Se você já passou dos 50, 60 anos (meu caso), deve ter o hábito de revolver histórias do passado, ainda que sejam histórias simplórias, como a que vou contar agora. A isso se pode dar o nome de saudosismo – ou nostalgia.

    Foi o que aconteceu ontem. Ao acordar, lembrei-me de uma história envolvendo dois personagens sousenses, com os quais convivi, conhecidos como Nêgo João e Arroz. Vivíamos os anos 60. Pedro Dário Formiga, que morava na rua Galdino Formiga (conhecida como Rua das Princesas), ao lado do casarão de João Cazé, acordou bem cedo e se dirigiu ao seu Jeep Willys para ir à Fazenda, como de hábito.

    Na calçada, encontrou Arroz com uma lata e uma flanela na mão. Enfiou a mão no bolso, sacou uma cédula de alguns cruzeiros e a entregou ao lavador de carros, sem nada dizer. O sortudo recebeu o dinheiro, agradeceu e pensou que aquele era um ato de generosidade do proprietário do carro.

    Não era. Na verdade, quem havia lavado o Jeep era Nêgo João. No final da tarde, este vai cobrar a lavagem a Pedro Dário, que esclareceu haver pagado o serviço a Arroz. No primeiro encontro, os dois lavadores quase vão às tapas, ou coisa pior, não fosse a interveniência de terceiros. Ficaram ‘intrigados’ pelo resto da vida.

    Nêgo João poderia ter evitado a inimizade se tivesse invocado um dispositivo do Código Civil de 1916 (art. 934) e mantido no atual (art. 308): quem paga mal paga duas vezes.

    Bem, ao lembrar dessas três figuras, fiquei imaginando como era Sousa naquela época. Os anos 60 foram ricos em inovação. Enquanto os homens passaram a usar o “cabelo na testa”, como fazia Vandinho Dantas cantando a Jovem Guarda, as mulheres adotaram a minissaia e mascavam chiclete Ping Pong.

    Os carros que circulavam por Sousa eram na maioria Jeep, Rural e Caminhão. Já Aero Willys, Sinca, DKW Vemag, Gordini e Fusca existiam em menor quantidade. Contrastando com a frota, Zé Gadelha desfilava pela cidade com o seu imponente Impala Rabo de Peixe. Meu pai, Francisco Leitão, dono de uma loja de automóvel, de vez em quando aparecia na área com algum importado: lembro de um Citroen e um Oldsmobile, câmbio automático.

    Foi também a época da chegada das sandálias havaianas, dos refrigerantes Crush e Coca-Cola, do Toddy, do sorriso Colgate, do sabonete Lux, do Conga e do biotônico Fontoura.

    Além da bicicleta Monark, os mais afortunados deslizavam pelas ruas sousenses exibindo suas lambretas. Jucélio Rocha, Zé Virgínio, Bosco de Zuca, Rômulo de Lafayette, Galego Estrela (BNB) e outros cobiçados rapazes da cidade eram donos desse privilégio.

    Lembrei também do meu avô Emídio Sarmento lendo a revista o Cruzeiro no alpendre de seu sobrado. Na última página da publicação, a famosa coluna O Amigo da Onça....

    Opa! Acho bom parar por aqui. Já conversei demais.

    P.S.: esqueci de dizer que a partir daquele dia Nêgo João passou a chamar Arroz de O Amigo da Onça.


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